Ultraprocessados reprogramam o cérebro

Ultraprocessados reprogramam o cérebro
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Por Rita Lobo - 27 de maio de 2021


O jornal britânico Daily Mail publicou uma reportagem impressionante baseada em um experimento conduzido por um médico em si mesmo. Por quatro semanas, Chris van Tulleken baseou sua alimentação em produtos ultraprocessados – 80% do que ele consumiu durante esse período era formado por essa categoria de produtos. De onde ele tirou a ideia? Da dieta mais comum no Reino Unido: um em cada cinco britânicos consome 80% das calorias diárias na forma de produtos ultraprocessados.

Leia a reportagem completa (em inglês)


"Meras quatro semanas. Foi o suficiente para acumular tanta gordura que deixei de ter um peso saudável e passei a ter sobrepeso, criando um risco real para minha saúde. (...) Passei a dormir mal, ficava deitado na cama torturado pela ansiedade. (...) Fiquei com azia e constipação. Tive hemorroidas. Mas, pior, meu cérebro se reprogramou como se eu tivesse desenvolvido um vício em uma droga. Como consegui causar um dano tão terrível a mim mesmo?"


Pois é: consumindo produtos ultraprocessados.


Em apenas quatro semanas o cérebro de Van Tulleken se reprogramou para fazer que ele buscasse mais ultraprocessados. E mais de um mês de encerrar o experimento, os exames continuaram mostrando essa reprogramação no cérebro. O dano foi constatado por meio de ressonância magnética, monitorando a atividade cerebral nas áreas de recompensa e no cerebelo. É uma evidência científica de algo que você pode perceber na prática: esses produtos são viciantes.


"Parece que não dá para desfazer o que esses produtos fizeram ao meu cérebro. Estou programado para achar ainda mais difícil dizer não aos ultraprocessados. (...) Esse é precisamente o tipo de coisa que você vê no cérebro de uma pessoa viciada em álcool, cigarros ou drogas. E explica porque eu ficava procurando o que comer mesmo no meio da noite."


O que chamou a atenção de Van Tulleken foi que de cara, desde o primeiro momento, ele tinha dificuldade para parar de comer. Mesmo comidas que não achava gostosas. Ele explica o conceito de hiperpalatável e a maneira como a indústria faz uma engenharia do alimento para que ele seja irresistível. Outro aspecto chocante: o marketing, as embalagens voltadas para o público infantil e a ideia de que comer é uma diversão. Ele conta que o filho dele, de três anos, ficou rapidamente hipnotizado pelas novidades na dieta da casa.


"Eu tentei me alimentar separadamente, mas em pouco tempo todos na casa estavam participando do experimento também – é difícil resistir quando tem produtos ultraprocessados em casa, mesmo para minha mulher, que é preocupada com a saúde."


O estrago que a dieta causou na saúde do cientista o assustou. Da constipação que levou a hemorróidas à ansiedade e desaparecimento da libido, tudo apontava para uma piora significativa da saúde.

Leia mais: Pesquisa prova que ultraprocessado engorda


"Foi aterrorizante – o resultado médico mais chocante que já vi. E a minha preocupação é que no cérebro de nossas crianças, que ainda estão se desenvolvendo e são muito mais maleáveis que meu cérebro de 42 anos, essas mudanças estruturais, que levam ao vício, serão ainda maiores. Elas serão programadas assim para a vida."

No final do ensaio para o jornal, Van Tulleken propõe uma reflexão: de quem é a culpa? Quem tem a responsabilidade de resolver esse problema? O porta-voz da indústria desta categoria de produto ouvido por ele disse que são as pessoas que fazem escolhas ruins e que não reconhece a categoria ultraprocessado por ela "não ter embasamento científico". Papo típico da indústria de ultraprocessados.


Para ele, colocar a responsabilidade na mão do consumidor não é justo. A maior parte dos alimentos disponível para a maior parte da população é formada por ultraprocessados. E quanto mais pobre é a família, mais vulnerável está. Os preços dos alimentos, no contexto mundial, empurra enormes parcelas da população para os produtos ultraprocessados.


Então ele se volta para os governos. Concorda que um caminho é divulgar e subsidiar a comida de verdade. Mas pondera que é preciso que sejam tomadas ações diretas contra os ultraprocessados. Ele cita o Brasil, cujo Guia Alimentar para a População Brasileira recomenda que essa categoria de produtos seja eliminada da alimentação. Mas ele mesmo, em uma frase, resume o tamanho do problema:


"A proibição da propaganda de junk food na internet anunciada na semana passada [no Reino Unido] é um passo na direção correta, mas as companhias que fabricam esses produtos têm enorme influência sobre a pesquisa, a educação do público e a prática médica, além de influenciar as políticas governamentais."

O foco por aqui, você sabe, é ajudar você a ter uma alimentação mais saudável no dia a dia. Apesar da nossa parceria com o Nupens, o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, que dá a base teórica para todo o conteúdo do Panelinha, não é tão comum eu compartilhar reportagens ou experimentos. Mas este relato é muito impressionante demais, é relevante. Ele ajuda a entender a importância de excluir os ultraprocessados da alimentação – e da casa. Especialmente se tem criança na jogada.

(Por que tem uma foto de pão de queijo no post? Porque o café da manhã é uma das refeições mais cheias de armadilhas: pão de forma, cereais matinais, requeijão, margarina... No Panelinha, tem muitas receitas que você pode preparar antes e garantir um café da manhã rápido, gostoso e saudável. Pão de queijo é uma delas, mas você pode ver todas as outras no nosso especial Café da Manhã)