Ultraprocessados desregulam as reações do cérebro
Por Rita Lobo - 16 de junho de 2023
Esses dias, ouvi um episódio do podcast do Ezra Klein, no New York Times, com um neurocientista chamado Stephan Guyenet, autor do livro "The Hungry Brain" – algo como o cérebro esfomeado. Ele explica que para sobreviver à escassez de alimentos nos tempos da caça e coleta, o cérebro humano criou mecanismos para reconhecer e gostar de alimentos naturais altamente calóricos – porque são eles que garantem a nossa sobrevivência. Ao identificar que ingerimos um alimento altamente calórico, o cérebro manda uma descarga de prazer pro corpo.
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Ativar sistema
As principais características que disparam esse sistema são o alimento ser doce, ter gordura, ser salgado. E quanto mais essas características são concentradas e combinadas, mais esse sistema é ativado e inunda o cérebro com dopamina, que dá essa sensação de "quero mais".
Os ultraprocessados desregulam as reações do cérebro. Por isso é tão difícil parar de comer o salgadinho antes do pacote acabar.
O que esse neurocientista explica é que a técnica dos ultraprocessados mora aí. Eles são feitos com sal, açúcar e gordura em quantidades que ativam de maneira tão intensa esse sistema, que acabam deixando o cérebro desregulado. Tem até termo pra isso: são hiperpalatáveis. E por isso é tão difícil parar de usar tempero pronto, tomar refrigerante ou mesmo para de comer o salgadinho antes do pacote acabar.
Equilíbrio natural
Na natureza não existe nenhum alimento que tenha tudo em excesso. Se ele tem muita gordura, não tem muito açúcar; se é muito doce, não tem tanta gordura.
E na comida caseira, se a gente erra a mão, a comida fica salgada e não dá vontade de comer.
Os ultraprocessados são elaborados para combinar essas características – e de um jeito que você nem percebe. E, para o neurocientista, é aí que mora a incompatibilidade entre o cérebro e o ambiente alimentar. O cérebro fica desregulado e pede mais. E como basta esticar o braço pra comer mais, o resultado é que você acaba comendo muito mais do que o corpo realmente precisa.
Comprovado em pesquisa
Isso ficou superclaro num estudo de 2019, feito nos Estados Unidos, em que um grupo de 20 adultos foi isolado num ambiente totalmente controlado e tudo que eles comeram foi registrado. Se você me acompanha desde aquela época deve lembrar o resultado, a gente falou bastante desse estudo no Panelinha.
Nas primeiras duas semanas, metade do grupo recebeu uma dieta baseada em comida de verdade; e a outra metade, refeições formadas por produtos ultraprocessados. Depois, houve uma inversão: a metade que só comeu comida de verdade passou a receber apenas ultraprocessados. E a turma que se alimentou só de ultraprocessados passou para uma dieta baseada em comida de verdade.
A gente come mais do que precisa se baseia a alimentação em ultraprocessados. Isso está provado pela ciência.
As dietas continham exatamente a mesma quantidade de calorias e de todos os macronutrientes. O índice de cada substância era medido, para que fosse igual para os dois grupos.
Cada participante recebia duas vezes a quantidade de comida de que precisava para manter seu peso.
E o combinado era que cada pessoa comesse o quanto quisesse.
Resultado: no período em que a alimentação foi baseada em ultraprocessados, todos os participantes comeram mais, consumiram mais calorias e engordaram – na média, 1 kg em 2 semanas. E no período em que as refeições eram compostas por comida de verdade, todos perderam peso – o mesmo 1 kg na média em 2 semanas.
Patrimônio brasileiro
Quando a gente pensa em ambiente alimentar, no Brasil ainda temos uma grande vantagem. Por mais que os defensores dos ultraprocessados tentem dizer que é mais barato basear a alimentação nesse tipo de produto, quando a gente olha pro Brasil como um todo, comer comida de verdade, simbolizada pelo arroz com feijão, ainda sai por menos.
A referência do arroz com feijão ajuda a proteger a dieta brasileira dessa incompatibilidade
Ainda temos pra onde voltar. E temos o arroz com feijão, que também foi aprimorado por milhares e milhares de anos, como uma referência de dieta equilibrada. É uma saída possível pra essa incompatibilidade entre cérebro e prato. Pense nisso!
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