Uma mesa para Maria Rita
Por Rita Lobo - 11 de dezembro de 2012
Quem me acompanha há tempos já deve ter lido pelo menos alguma coisinha sobre a minha avó. Vira e mexe escrevo sobre ela, especialmente nas datas comemorativas. Ela era a grande festeira da família Lobo. E formou uma alcateia gigante. No Natal, só de descendentes diretos, eram sessenta pessoas — incluindo maridos e mulheres (que o meu avô chamava de “os agregados”). Nos últimos anos de vida, porém, a saúde debilitada não permitia mais do que um almocinho para dois ou três por vez. Era muito agito para uma pessoa que estava tão frágil. Ou melhor, ela estava ao mesmo tempo tão vulnerável e tão forte. Tudo foi parando de funcionar, menos o coração. Ele era poderoso. Em todos os sentidos.
Minha avó morreu no fim do ano passado, com 96 anos. Muito antes disso, porém, ela foi passando para frente a prataria, travessas enormes, louças e tudo aquilo que quem gosta de receber costuma ter. Mas foi só depois que ela morreu que recebi da minha mãe (que era nora dela) um jogo de toalha de mesa de Natal. Eu não tenho lembrança dele nas festas da minha avó. E achei muito curioso ela ter dado justamente para a minha mãe, que nunca fez uma Ceia na vida. Por isso, penso que o destino desse enxoval fosse mesmo ficar comigo.
Minha avó era bem tradicional. Não consigo imaginar uma mesa natalina em tons de azul na casa dela. Mas o linho está gasto — e como só poderia ser usado uma vez por ano, deve ter sido o jogo de Natal por anos a fio. Ele só chegou as minhas mãos depois que ela morreu. Não pude perguntar sobre a história dos guardanapos e da toalha de mesa gigante, com ramos de pinheiro, bolas de enfeite e laçarotes bordados.
Além do nome, e dos guardanapos, herdei muita coisa dela. Boa parte das lembranças que guardo da vovó Rita são ao redor da mesa. Da minha infância, me lembro dela servindo doce de abóbora com queijo, depois de um almoço sereno, apesar da mesa cheia, num domingo qualquer. Já as festas de Natal eram o evento do ano: tender assado, com osso, peru decorado com fios de ovos, a tradicional torta de nozes com baba de moça.
Assim como quem não quer nada, com um cafezinho acompanhado de sequilho, a vovó foi nos ensinando o significado de fazer parte. Foi ela quem me mostrou a importância de olhar para as próprias origens — e fica mesmo mais fácil de se conhecer, de reconhecer onde estamos, qual o nosso lugar no mundo e, também, para onde queremos ir.
A partida dela representou para a minha família o fim de uma geração. Sem ela por aqui, meus primos e eu nos demos conta que chegamos ao meio do caminho: vamos cuidando dos nossos filhos, os quase trinta bisnetos da vovó Rita, e aos poucos começamos a dar uma atenção extra aos nossos pais. Essa é a dinâmica da vida. E a vovó conhecia isso como ninguém. Em 96 anos, imagine quanta coisa ela não viu? Essa mesa de Natal em tons de azul é uma homenagem a minha avó. Mas é também o meu desejo que todos nós possamos usufruir dessa sensação de pertencimento. E não só nas datas comemorativas.
Foto: Gilberto Oliveira Jr
Minha avó morreu no fim do ano passado, com 96 anos. Muito antes disso, porém, ela foi passando para frente a prataria, travessas enormes, louças e tudo aquilo que quem gosta de receber costuma ter. Mas foi só depois que ela morreu que recebi da minha mãe (que era nora dela) um jogo de toalha de mesa de Natal. Eu não tenho lembrança dele nas festas da minha avó. E achei muito curioso ela ter dado justamente para a minha mãe, que nunca fez uma Ceia na vida. Por isso, penso que o destino desse enxoval fosse mesmo ficar comigo.
Minha avó era bem tradicional. Não consigo imaginar uma mesa natalina em tons de azul na casa dela. Mas o linho está gasto — e como só poderia ser usado uma vez por ano, deve ter sido o jogo de Natal por anos a fio. Ele só chegou as minhas mãos depois que ela morreu. Não pude perguntar sobre a história dos guardanapos e da toalha de mesa gigante, com ramos de pinheiro, bolas de enfeite e laçarotes bordados.
Além do nome, e dos guardanapos, herdei muita coisa dela. Boa parte das lembranças que guardo da vovó Rita são ao redor da mesa. Da minha infância, me lembro dela servindo doce de abóbora com queijo, depois de um almoço sereno, apesar da mesa cheia, num domingo qualquer. Já as festas de Natal eram o evento do ano: tender assado, com osso, peru decorado com fios de ovos, a tradicional torta de nozes com baba de moça.
Assim como quem não quer nada, com um cafezinho acompanhado de sequilho, a vovó foi nos ensinando o significado de fazer parte. Foi ela quem me mostrou a importância de olhar para as próprias origens — e fica mesmo mais fácil de se conhecer, de reconhecer onde estamos, qual o nosso lugar no mundo e, também, para onde queremos ir.
A partida dela representou para a minha família o fim de uma geração. Sem ela por aqui, meus primos e eu nos demos conta que chegamos ao meio do caminho: vamos cuidando dos nossos filhos, os quase trinta bisnetos da vovó Rita, e aos poucos começamos a dar uma atenção extra aos nossos pais. Essa é a dinâmica da vida. E a vovó conhecia isso como ninguém. Em 96 anos, imagine quanta coisa ela não viu? Essa mesa de Natal em tons de azul é uma homenagem a minha avó. Mas é também o meu desejo que todos nós possamos usufruir dessa sensação de pertencimento. E não só nas datas comemorativas.
Foto: Gilberto Oliveira Jr