Tobi
Por Rita Lobo - 04 de março de 2007
Nos últimos anos, tenho me sentido um pouco como aquela música do Tom Jobim, Samba de uma nota só. É que, desde o nascimento dos meus filhos, não tenho tido outro assunto. Dora e Gabriel monopolizaram os meus pensamentos, os meus desejos, o meu tempo, a minha vida.
Devagarzinho, sem que eu percebesse, eles foram crescendo, deixaram de ser bebezinhos, de precisar de mim até para tomar água, e viraram crianças que já brigam comigo, me desafiam e têm um mundo deles, apesar de mim. O nosso amor também parece menos frágil: eles podem crescer, e eu ganhei espaço interno para rever o mundo, sem culpa.
Dia desses, estava levando os dois para escola e um deles começou a ter um chilique. O outro acompanhou. “Eu quero, eu quero, eu quero.” Nem me pergunte o quê! Eu estava dirigindo e tinha minha área de atuação limitada. Olhei para o lado, assim como quem quer um respiro, e vi, na vitrine do pet shop, um whippet, cachorro que há anos penso em comprar. No mesmo tom e ritmo do chilique das crianças, comecei a choramingar: “eu quero um whippet, quero um whippet...”. Imediatamente, os dois pararam e o Gabriel disse: “Calma, mamãe, eu vou dar um whippet para você. Mas, mamãe, o que é um whippet?”
Naquele mesmo dia, fui a um evento e encontrei com uma amiga que estava animadíssima com sua nova aquisição: um whippet! Bom, para encurtar a história, o irmãozinho do whippet da minha amiga agora é meu. Tobi, ficou Tobi o nome dele.
Tobi virou uma ótima desculpa para eu me exercitar. Ou melhor, a verdade é que queria um whippet exatamente por isso. Mas foi a cozinheira aqui de casa quem emagreceu horrores: leva o cão para passear pelo menos três vezes por dia! (Ou ela está apaixonada pelo cachorro ou arrumou um paquera aqui no bairro.) O meu turno é o do final de tarde, sempre que possível.
Gosto de ver o comércio fechando, a brigada dos restaurantes preparando o salão, as pessoas saindo do supermercado com uma sacolinha na mão. Fico imaginando o que elas vão fazer para o jantar. Sinto o meu apetite se abrindo e começo a preparar em pensamento o meu próprio jantar. Às vezes, experimento novos percursos, mas acho que o Tobi gosta é de andar pelas mesmas ruas, sentir os mesmos cheiros, ver as mesmas pessoas, brincar com os mesmos cachorros.
Há umas semanas, cheguei do escritório, esmaguei um pouco os meus filhos e coloquei a coleira no Tobi. Saí do prédio, virei na primeira rua e parei na banca para ver as revistas. Tobi queria continuar a caminhada. Puxou, sacudiu a cabeça e, finalmente, conseguiu se soltar. Saiu correndo feito doido, cruzou a rua e só deu tempo de ouvir o carro frear. Senti minhas pernas cravarem no chão. Ficaram duras feito concreto. Fiquei sem ação. Ouvi o barulho da batida. “TOBI!”
A gente que ali passava se aglomerou.
- Ai, coitado, pegou na cabeça.
- Não foi não, foi no meio do corpo.
Enquanto as pessoas discutiam o atropelamento, um senhor começou a gritar: “Pega o cachorro, pega ele!” Só então vi o Tobi, mancado, fugindo da multidão.
Tobi e eu estávamos atônitos. As pessoas formaram um círculo e eu agarrei o cachorro. O coração dele estava a mil. O meu também. Não havia sangue. Ele tremia. Eu também. Andei até a calçada e uma mulher veio em minha direção: “Deixa eu te ajudar.” Colocamos o Tobi no chão, examinamos a cabeça, o corpo e as patinhas. Ela ficou segurando Tobi e eu liguei para a veterinária. Não sabia muito bem o que dizer, não queria assustá-la.
- Dra. Cíntia, o Tobi... Bem, o Tobi escapou da coleira e atravessou a rua.
- Ele foi atropelado?
- Acho que sim, quer dizer, ele me parece ótimo, mas ouvi o barulho de um carro batendo nele.
A veterinária me disse para levá-lo ao hospital e fazer algumas chapas. Imediatamente! Agradeci a moça que havia me ajudado e corri para casa com Tobi no colo. Coloquei o cachorro no carro e fomos para o hospital veterinário.
No dia seguinte, com Tobi são e salvo, contei ao Gabriel tudo o que havia acontecido na noite anterior. Ele ouviu atentamente e me fez uma única pergunta: “Mamãe, qual era o nome da moça?” Respondi que não sabia (ela havia me dito, mas estava tão nervosa que não registrei). Para a minha alegria, e a do Gabriel, veja o e-mail que recebi esta semana.
Ane, muito obrigada pelo seu carinho!
Oi, Rita
Tomei a liberdade de te passar esse e-mail, pois tive um encontro delicioso essa semana. Estava andando na rua na hora do almoço, quando me deparo com um magrelinho se abanando todo para mim, como se me conhecesse de algum lugar. Fiz festinha, carinho e perguntei para a senhora que estava com ele o nome do cachorro. Para a minha surpresa era o Tobi, o Tobi da Rita!
Até parece que ele estava me reconhecendo daquele dia.
Meu cachorro está com 14 anos e é muito querido. Estávamos na dúvida entre comprar um Whippet ou um Fox Terrier Pelo Duro e o Tobi conseguiu me dar certeza da escolha.
Um abraço,
Ane, da noite que o Tobi escapou de você!
Devagarzinho, sem que eu percebesse, eles foram crescendo, deixaram de ser bebezinhos, de precisar de mim até para tomar água, e viraram crianças que já brigam comigo, me desafiam e têm um mundo deles, apesar de mim. O nosso amor também parece menos frágil: eles podem crescer, e eu ganhei espaço interno para rever o mundo, sem culpa.
Dia desses, estava levando os dois para escola e um deles começou a ter um chilique. O outro acompanhou. “Eu quero, eu quero, eu quero.” Nem me pergunte o quê! Eu estava dirigindo e tinha minha área de atuação limitada. Olhei para o lado, assim como quem quer um respiro, e vi, na vitrine do pet shop, um whippet, cachorro que há anos penso em comprar. No mesmo tom e ritmo do chilique das crianças, comecei a choramingar: “eu quero um whippet, quero um whippet...”. Imediatamente, os dois pararam e o Gabriel disse: “Calma, mamãe, eu vou dar um whippet para você. Mas, mamãe, o que é um whippet?”
Naquele mesmo dia, fui a um evento e encontrei com uma amiga que estava animadíssima com sua nova aquisição: um whippet! Bom, para encurtar a história, o irmãozinho do whippet da minha amiga agora é meu. Tobi, ficou Tobi o nome dele.
Tobi virou uma ótima desculpa para eu me exercitar. Ou melhor, a verdade é que queria um whippet exatamente por isso. Mas foi a cozinheira aqui de casa quem emagreceu horrores: leva o cão para passear pelo menos três vezes por dia! (Ou ela está apaixonada pelo cachorro ou arrumou um paquera aqui no bairro.) O meu turno é o do final de tarde, sempre que possível.
Gosto de ver o comércio fechando, a brigada dos restaurantes preparando o salão, as pessoas saindo do supermercado com uma sacolinha na mão. Fico imaginando o que elas vão fazer para o jantar. Sinto o meu apetite se abrindo e começo a preparar em pensamento o meu próprio jantar. Às vezes, experimento novos percursos, mas acho que o Tobi gosta é de andar pelas mesmas ruas, sentir os mesmos cheiros, ver as mesmas pessoas, brincar com os mesmos cachorros.
Há umas semanas, cheguei do escritório, esmaguei um pouco os meus filhos e coloquei a coleira no Tobi. Saí do prédio, virei na primeira rua e parei na banca para ver as revistas. Tobi queria continuar a caminhada. Puxou, sacudiu a cabeça e, finalmente, conseguiu se soltar. Saiu correndo feito doido, cruzou a rua e só deu tempo de ouvir o carro frear. Senti minhas pernas cravarem no chão. Ficaram duras feito concreto. Fiquei sem ação. Ouvi o barulho da batida. “TOBI!”
A gente que ali passava se aglomerou.
- Ai, coitado, pegou na cabeça.
- Não foi não, foi no meio do corpo.
Enquanto as pessoas discutiam o atropelamento, um senhor começou a gritar: “Pega o cachorro, pega ele!” Só então vi o Tobi, mancado, fugindo da multidão.
Tobi e eu estávamos atônitos. As pessoas formaram um círculo e eu agarrei o cachorro. O coração dele estava a mil. O meu também. Não havia sangue. Ele tremia. Eu também. Andei até a calçada e uma mulher veio em minha direção: “Deixa eu te ajudar.” Colocamos o Tobi no chão, examinamos a cabeça, o corpo e as patinhas. Ela ficou segurando Tobi e eu liguei para a veterinária. Não sabia muito bem o que dizer, não queria assustá-la.
- Dra. Cíntia, o Tobi... Bem, o Tobi escapou da coleira e atravessou a rua.
- Ele foi atropelado?
- Acho que sim, quer dizer, ele me parece ótimo, mas ouvi o barulho de um carro batendo nele.
A veterinária me disse para levá-lo ao hospital e fazer algumas chapas. Imediatamente! Agradeci a moça que havia me ajudado e corri para casa com Tobi no colo. Coloquei o cachorro no carro e fomos para o hospital veterinário.
No dia seguinte, com Tobi são e salvo, contei ao Gabriel tudo o que havia acontecido na noite anterior. Ele ouviu atentamente e me fez uma única pergunta: “Mamãe, qual era o nome da moça?” Respondi que não sabia (ela havia me dito, mas estava tão nervosa que não registrei). Para a minha alegria, e a do Gabriel, veja o e-mail que recebi esta semana.
Ane, muito obrigada pelo seu carinho!
Oi, Rita
Tomei a liberdade de te passar esse e-mail, pois tive um encontro delicioso essa semana. Estava andando na rua na hora do almoço, quando me deparo com um magrelinho se abanando todo para mim, como se me conhecesse de algum lugar. Fiz festinha, carinho e perguntei para a senhora que estava com ele o nome do cachorro. Para a minha surpresa era o Tobi, o Tobi da Rita!
Até parece que ele estava me reconhecendo daquele dia.
Meu cachorro está com 14 anos e é muito querido. Estávamos na dúvida entre comprar um Whippet ou um Fox Terrier Pelo Duro e o Tobi conseguiu me dar certeza da escolha.
Um abraço,
Ane, da noite que o Tobi escapou de você!