Alimentação, Sustentabilidade e Oportunidades de Negócio: por que tudo começa com comida de verdade

Por Rita Lobo - 19 de maio de 2025
No último sábado, participei de uma mesa na Semana S, no Sesc Pompeia, ao lado do Ricardo Abramovay, titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP e professor do Departamento de Economia da FEA/USP, e do Luis Barbieri, diretor executivo do Instituto Fólio e fundador da Raiar Ovos Orgânicos. A mediação foi feita pela Fe Cortez, autora do livro HOMO INTEGRALIS. O tema do encontro era “Alimentação e Sustentabilidade: oportunidades de novos negócios”.
Na minha opinião, o elo entre alimentação e sustentabilidade é a comida de verdade. Então, antes de mergulhar nas oportunidades, quis provocar a plateia com uma reflexão: afinal, o que é comida de verdade?
Comida de verdade x ultraprocessados
Você sabe dizer o que é um alimento ultraprocessado? Menos de 10% da plateia sabia. O que não é incomum.
Perguntei ao público quem sabia explicar o que são ultraprocessados — e como já é comum nas minhas apresentações, menos de 10% levantou a mão. Isso acontece porque o termo ainda é recente e muitas vezes silenciado: grande parte da mídia tem acordos comerciais com as indústrias que produzem esse tipo de alimento, o que restringe sua divulgação.
Ultraprocessados são alimentos industrializados com aditivos químicos, como pão de fôrma (mesmo os integrais ou sem glúten), refrigerantes, nuggets, margarina e muitos outros. A maneira mais simples de identificá-los é lendo a lista de ingredientes no rótulo. Se tiver ingredientes que são são da cozinha caseira, ou que mais pareçam de laboratório, provavelmente é um ultraprocessado — e melhor deixá-lo na prateleira.
Como saber se é ultraprocessado? Lendo a lista de ingredientes do rótulo.
Esses produtos, que o corpo sequer reconhece como alimento, são o completo oposto da comida de verdade.
Comida de verdade é aquela feita por mãos humanas, com ingredientes naturais — sejam de origem animal ou vegetal — e que respeita um padrão alimentar tradicional. No almoço, por exemplo, tradicionalmente comemos arroz, feijão, legumes, verduras e algum tipo de carne ou ovo. Tomar um shake proteico, ainda que possa ter a mesma quantidade de calorias ou proteínas, está longe de representar um opção saudável ou desejável, e não apenas do ponto de vista nutricional. Esse tipo de ultraprocessado funcional impacta diretamente na nossa relação com a comida de verdade, que se transforma em inimigo.
O padrão alimentar tradicional brasileiro, que é balanceado e saboroso. E sempre foi a minha referência de alimentação saudável.
25 anos ensinando a cozinhar – e a pensar
Há 25 anos, quando lancei o Panelinha, o termo "ultraprocessado" não existia. No Brasil, porém, temos a sorte de ter um padrão alimentar tradicional balanceado – que sempre foi a minha referência de alimentação saudável.
Naquela época, o meu objetivo era oferecer ao público um site de receitas – testadas e fotografadas –, que ajudassem as pessoas a conquistar uma alimentação mais variada e saborosa. A linha editorial no lançamento era de receitas mais inusitadas, justamente pra variar o arroz com feijão…
Com a resposta do público, que na época vinha por e-mail, como se fosse uma carta, descobri que o nosso público (na sua maioria formado por mulheres jovens com filhos pequenos), não sabia fazer o básico. Antes de ajudar a variar a alimentação, então, tínhamos que ensinar a cozinhar. Muito rapidamente, recalibrei a rota e o Panelinha passou publicar o básico da alimentação domiciliar. E mais do que isso: as receitas ensinavam a cozinhar.
O Panelinha ficou famoso por ser o site de receitas que funcionam, porque até quem não sabe cozinhar consegue fazer a preparação.
Isso foi só o começo. Em 25 anos, o sistema alimentar mudou drasticamente. O nosso trabalho, que era de ensinar a cozinhar com receitas, passou a ser também o de disseminar conceitos de alimentação saudável, baseados em evidências científicas, e ajudar a diferenciar comida de verdade dos ultraprocessados, que são os alimentos que devem ser evitados.
Modismos nutricionais e marketing bilionário
O marketing da indústria de ultraprocessados cria modismos para vender produtos — e ditar o que a gente come.
Quando uma pessoa nos pede receitas sem glúten, provavelmente ela tem alguma necessidade especial de alimentação. Quando, de repente, milhares de seguidores começam a pedir receitas sem glúten, trata-se de uma tendência. E por trás dessa tendência, sempre tem o marketing das indústrias de ultraprocessados. São bilhões investidos para convencer o consumidor de que precisa de pão sem glúten, salgadinho lowcarb, doce sem açúcar, com adoçante, queijo com menos gordura e, mais recentemente, alimentos proteicos.
Mas pense: num país como o Brasil, onde o arroz com feijão já oferece proteína vegetal de altíssima qualidade, e que a população consome muito mais carne do que o recomendado, será que realmente precisamos de bebida ou pozinhos proteicos?
Sei que, hoje, falar isso é polêmico… Mas virei expert em identificar modismos nutricionais. E da mesma forma que eles vêm, sei que eles vão…
Um dado importante sobre insegurança alimentar
Aliás, um dado que aprendi na fala do professor Ricardo Abramovay é que dos 27% da população brasileira que enfrentam algum grau de insegurança alimentar, apenas 3% têm deficiência de proteínas.
Desafios pra uma alimentação adequada
Nos dias de hoje, diante deste sistema alimentar que privilegia o consumo de ultraprocessados e exclui a comida de verdade da mesa da população, comer bem vai muito além de “força de vontade”.
Se excluirmos os muito ricos, que têm cozinheiras preparando as refeições todos os dias, ou os muito pobres, porque a desigualdade impacta diretamente na alimentação, pra que as pessoas possam garantir uma alimentação adequada, elas precisam:
- Saber cozinhar – para não depender de ultraprocessados nem sobrecarregar ninguém;
- Saber planejar – pra que as refeições caibam no tempo e no orçamento;
- Entender os graus de processamento dos alimentos – pra não cair em modismos nutricionais;
- Ter noções básicas de nutrição – pra variar e balancear as refeições.
É muito difícil manter uma alimentação saudável de verdade. E os dados refletem isso:
- 68% dos brasileiros têm excesso de peso, sendo 31% com obesidade e 37% com sobrepeso;
- 27% enfrentam insegurança alimentar, por razões econômicas e não nutricionais.
Oportunidade pra novos negocios
Diante de tantos desafios, fica clara a necessidade de soluções reais. Negócios que promovam alimentação saudável, sustentável e acessível têm um enorme campo de atuação — ainda mais se aliarmos a isso novas tecnologias.
O futuro da alimentação começa com comida de verdade.
*Insegurança alimentar é a falta de acesso regular e suficiente a alimentos seguros e nutritivos para uma vida saudável, podendo ser classificada em três graus: leve (preocupação com a falta de alimentos no futuro), moderada (redução na qualidade ou quantidade dos alimentos) e grave (fome e privação alimentar).