Sabendo levar...
Por Rita Lobo - 26 de março de 2007
Era a primeira vez que ele jantava no Spot. Mas isso já faz tanto tempo que o rapaz nem se lembraria daquele jantar. Tinha caído de pára-quedas naquela mesa e não parecia querer esconder que estava maravilhado com o lugar, com as pessoas e até com a comida. Recém-chegado do interior, ele não conseguiu segurar o comentário: “Puxa vida, sabendo levar, São Paulo é melhor que Nova York, né não?” O amigo dele, que cresceu na casa colada com a dele, mas vivia em São Paulo há tantos anos, resmungou bem baixinho, em tom sarcástico e com uma pitada de reprovação: “Nossa, mas precisa saber levar muito bem, hein?”
Achei a frase engraçada. E passei a usá-la com freqüência. Mais em pensamento do que em voz alta. E, boa parte das vezes, com sentido oposto. Como diria o meu pai, fazendo chacota. Uma década depois, porém, a frase resolveu invadir a minha cabeça durante o fim de semana todo. E, na maioria das vezes, no sentido original.
Na sexta-feira, meu marido e eu estávamos nos preparando para sair quando Gabriel, que já está com quase 5 anos, perguntou se poderia ir jantar conosco. Um pedido incomum. Decidimos levá-lo. Fomos andando até o Le vin, restaurante que se encaixa na categoria sabendo-levar-São-Paulo-é-melhor-que-Paris. Gabriel já tinha jantado (eram 9 horas da noite), mas queria comer batatas fritas. E as batatas fritas de lá são realmente deliciosas. Antes mesmo de escolher uma taça de vinho para mim, pedi ao garçom que comandasse rapidinho a batata do meu filho. Ele voltou para tirar o pedido das bebidas com as fritas já em mãos. Em seguida, colocou na mesa o couvert: pão, manteiga e patê de fígado de galinha. “Mamãe, o que é isso? É para comer com o pão ou com a batata?” Espalhei um pouquinho de patê no pão, mas bem pouquinho, pois estava certa de que teria de pegar um guardanapinho de papel para ele cuspir.
“Gostou, Gabriel?” Ele respondeu que achou uma delícia e enfiou uma batata no potinho de patê. Assim, numa sexta-feira, como outra qualquer para nós, e especial para o Gabriel, que jantava num restaurante francês pela primeira vez, nasceu o gosto dele por batata frita com patê de fígado de galinha. Nada mal, aliás.
Pedi minha taça de vinho, mas não sem antes deixar de reparar que o rapaz que sempre nos atende mudou o penteado: ele ficou com cara de garçom francês! E, naquele momento, mesmo sem ter tomado a taça de vinho, um pedaço de mim concluiu que, sabendo levar, São Paulo estava melhor que Paris.
Sábado acordou ensolarado. Eu acordei da escuridão de um pesadelo que prefiro nem pensar. Levantei, fiz alguns telefonemas, e estavam todos vivos. Depois liguei para a minha amiga Fernanda e combinamos que levaríamos as crianças para tomar café conosco antes de irmos conhecer a Livraria da Vila, recém-inaugurada na Al. Lorena. Entramos no Suplicy e demos de cara com um casal de amigos que encontrou com uma amiga que iria se encontrar com um amigo. Quase um episódio de Friends. E, por um único segundo, pensei que, sabendo levar, São Paulo é melhor que Nova York. Tomamos um bom café, comemos muffins, tomamos mais café e fomos andando até a livraria.
Sabíamos que o piso inferior era dedicado às crianças, mas custamos a chegar lá. Livros, sofás, mais livros, conhecidos, uma amiga, aquele livro que há tempos estava procurando. “Posso deixar separado no caixa?” É a minha mania de perseguição que acha que alguém vai comprar o livro antes de mim. Não que fosse o último, mas... Descemos a escada e os olhos das crianças começaram a brilhar. Pufes coloridos gigantes, um teatrinho com cortina estampada, todos os livros do mundo só para eles e ninguém para impedi-los de brincar. O meu irmão chegou com a minha cunhada e a minha sobrinha Rosa. As crianças ficaram brincando e os adultos foram voando para o andar de cima. Um céu de livros nos esperava. Fui catando, um a um, todos os que eu queria folhear e, num instante, uma pilha se formou nos meus braços. Meu irmão e eu nos sentamos e ficamos praticando leitura dinâmica e conversando ao mesmo tempo. Naquele momento, não pude deter a sensação de que, sabendo levar, São Paulo é melhor que Londres. Ok. Também não vamos exagerar. Mas, um sábado tranqüilo e ensolarado traz esperanças. E a gente vai levando, a gente vai levando essa vida.