Por uma América do Sul mais doce

Por uma América do Sul mais doce
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Por Rita Lobo - 30 de maio de 2007


Meu pai é um homem alto, bonito, tem um tipo atlético e uma memória de fazer inveja aos elefantes. Quando eu era criança, ele tinha uma moto gigante e dois carros antigos: um Jaguar 74 e uma “Mercedinha”, como ele próprio se referia ao automóvel. Na adolescência, nunca peguei recuperação ou precisei de aula particular. Não por competência minha, mas por paciência do meu pai, o melhor professor que já conheci. Talvez por isso, quando descobri que ele não era um super-herói fiquei em estado de choque. E isso não faz muito tempo. Há muitos anos, porém, eu devia ter uns 5 ou 6 anos, fiz na escolinha um presente para o Dia dos Pais que era um desenho do super-homem com uma foto 3x4 do meu pai colada sobre o rosto. E confesso que esta imagem continua viva dentro de mim. Mesmo assim, às vezes, eu sei, ele é meio estranho.

De uns tempos para cá, quando encontro com ele no clube pela manhã (tênis para ele é quase uma religião) e pergunto, “oi, pai, tudo bem?”, a resposta é sempre a mesma: “Lutando por uma América do Sul melhor!” E depois continua andando até a quadra de tênis.

Não. Ele não é guerrilheiro. Também não é político. Ainda assim, nunca tive coragem de perguntar o que ele anda fazendo pela América do Sul: tenho medo que a resposta seja tão convincente e eu acabe me engajando. Mesmo que, de concreto, só o discurso. (Já pensou? Amanhã você acessa o blog e, sob a minha foto, encontra: Rita Lobo, lutando por uma América do Sul melhor! Neste caso, eu colocaria na cabeça uma boina com uma estrela. Só para ilustrar melhor.)

Recentemente, descobri uma pessoa que, parece-me, está lutando por uma América do Sul melhor. Isto é, ela mesma não sabe. Mas eu acho que está.

Tenho a impressão de que história de América do Sul unida só serve para investidor norte-americano. A única coisa que temos em comum é o gosto pelo doce de leite. E só.

O Wikipedia diz: “Dulce de leche in Spanish, or doce de leite in Portuguese, is a milk-based syrup found as both a sauce and caramel-like candy popular in Latin-America.” Mesmo quem não fala inglês não precisa da tradução: a gente sabe o que é doce de leite. E na França tem uma confiture de lait, mas não é doce de leite.

Dia desses, comi um pudim de doce de leite. Você já experimentou? Uma bomba calórica. Mais doce que doce de batata-doce. Mas é irresistível. Irresistível. Era só para provar. Depois, duas, três colheres e chega! Como é bom! Não é um doce da minha infância, mas na primeira colherada eu já estava com 5 anos. Acho que é o efeito do açúcar num sanguinho meio amargo.

É o doce da infância da chef uruguaia Clo Dimet. Ela conta que é uma receita da “abuela”. (Fico imaginando que outras receitas a avó dela fazia para ela crescer cozinhando tão bem.) Logo mais, você vai conferir aqui no Panelinha um especial com sete receitas, inclusive este Pudim de “dulce de leche” da Clo. Mas, enquanto não terminamos de adaptar as receitas do restaurante dela para a cozinha da sua casa (explicar uma receita direitinho, passo-a-passo, com as medidas certinhas, não é assim, de um dia para o outro), quis mostrar aqui esta foto do pudim que não sai da minha cabeça. Quem sabe ele também não inspira você a lutar por uma América do Sul melhor! (Acho que meu pai não vai se incomodar se começarmos pela cozinha.) Bom, pelo menos, esse pudim ajuda a deixar a América do Sul mais doce.