O poder da memória!
Por Rita Lobo - 24 de março de 2023
Já vou avisando: o assunto do post é delicado. Ele toca num ponto muito íntimo da alimentação: a memória afetiva. Pra começar, quero citar uma frase que o jornalista Marcos Nogueira escreveu na coluna dele na Folha.
"Se tem algo em que a gente nunca deve confiar, é na memória afetiva. Reencontrar sensações de tempos passados é a certeza da decepção. Dar-se conta disso é libertador. Você evolui, tudo bem, o macarrão da vó não vai ficar chateado com isso."
O texto era sobre a onda de nostalgia nas redes sociais gerada pela notícia da falência da fábrica que fazia aqueles cigarrinhos de chocolate, que depois viraram lápis, moeda, guarda-chuvinha…
Assista ao vídeo!
chocolate puro
Quando a gente era criança, não tinha no mercado chocolate bom, o chamado chocolate puro do cacau. Os produtos que existiam eram feitos com gordura hidrogenada e também aromatizante, saborizante e tudo mais que esses confeitos que imitam o chocolate de verdade até hoje têm na composição.
As marcas de bons chocolates brasileiros, feitos somente com cacau, são recentes. E quem gosta e pode consumir, aprendeu a diferença. O paladar evolui, mesmo! E aí fica difícil voltar pra moedinha de chocolate e achar bom. A bem da verdade, esse tipo de produto fica intragável se a gente comparar com chocolate puro do cacau, seja ele ao leite ou amargo.
Puro do cacau não significa que não possa ter leite ou açúcar na composição. Mas quer dizer que não tem outra gordura que não a manteiga de cacau e o sabor da massa de cacau. É um outro produto, totalmente diferente. E, por isso, muito mais caro.
Poder da memória
Mas o assunto aqui não é o chocolate e sim a memória afetiva. A publicidade sabe do poder dela e apela pro universo do afeto pra vender comida pronta. Amor é associado a usar tempero pronto; a alegria do almoço em família, a refrigerante. E assim os ultraprocessados foram se infiltrando não só na alimentação: pra muitas pessoas, a memória afetiva deixou de ser o macarrão da vó e virou a guloseima com marca, feita na fábrica.
A publicidade apela pro universo do afeto e assim os ultraprocessados vão tomando o lugar das receitas de família na memória afetiva.
A pessoa que faz o pavê com nome de biscoito recheado – essas receitas que têm merchan no nome – acha que está fazendo uma coisa moderna, mas ela só está caindo em mais uma armadilha da indústria de ultraprocessados.
E, olha, o produto não necessariamente está no nome da receita. Eles foram se enraizando de um jeito tão efetivo, que em muitas casas já tem receita de família, passada de geração em geração, que leva nos ingredientes caldo em cubinho, tempero em sachê… É a sopa de cebola pra temperar o bolo de carne, sabe?
Lá atrás, quando as donas de casa — que estavam sempre atrás de inovação — começaram a usar esses produtos, ninguém sabia que eles eram tão nocivos pra saúde.
É curioso: o Marcão, na coluna dele, está falando da evolução do paladar do ponto de vista gastronômico. Provavelmente, o macarrão da vó era passadinho, ele não era al dente. E eu estou trazendo a perspectiva da saúde. Mas a gente chega no mesmo lugar: se a receita de família levava caldo em cubinho, troque pelo feito em casa! Porque o paladar evolui. E as receitas podem melhorar. Já os produtos ultraprocessados sempre pioram a saúde e ainda estragam o paladar. Pense nisso.
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