Picolé de milho fazendo charme!
Por Rita Lobo - 13 de agosto de 2014
Na página 145 do meu livro A conversa chegou à cozinha (Ediouro), publiquei uma crônica sobre uma paixão: o picolé de milho verde. Eu era capaz de pegar a estrada pra ir atrás de um deles! Ainda bem que o sabor se popularizou na cidade – e a minha fase milho também passou… Continuo fã desse sorvete no palitinho, mas sem exageros. Nesta semana, em que o milho é assunto aqui no site, o texto me veio logo à memória, por isso reproduzo a crônica mais abaixo.
Leia aqui o post com as receitas de milho do programa Cozinha Prática
Mas o post não fica preso no tempo, não. Aproveito o tema para sugerir uma ideia bem atual: que acha de servir picolés de milho verde como sobremesa? Um jeito bem simpático é tirar da embalagem e colocar sobre uma tigela com gelo. Não vai sobrar um pra contar história! Olha na foto, que graça. E é facílimo de colocar em prática, não?
Picolé de milho verde forever!
Há muitos anos, fui a um astrólogo que queria me convencer de que, em outra vida, eu tinha passado fome: esta seria a raiz da minha obsessão por comida. Fiquei na minha e deixei ele falar bastante. Ele disse também que o meu aparelho digestivo pensava que era o de um camelo. Aí fiquei confusa: eu passei fome e ainda era um camelo? Não era uma rainha da França, não? Poxa, todo mundo que faz regressão descobre que era rainha de algum lugar. Eu só queria saber o meu ascendente e ganho título de ex-camelo faminto! Pedi uma explicação. Era simples, ele disse que o camelo armazena água para não passar sede no deserto; no meu caso, quando descubro um sabor novo, como até enjoar por medo de que, um dia, ele, o ingrediente, venha a faltar. E, nisso, ele tinha lá sua pitada de razão.
Meu paladar tem fases. Passei anos sem comer manga. Um dia, acordei, comi uma fatia de manga e passei os meses seguintes comendo manga no café da manhã, no almoço e no jantar. Tive a fase da abóbora, do abacate, do missô. Por sorte, não tive a fase do bacon nem do creme de leite. Mas agora estou na fase do sorvete de milho verde do Rochinha.
Passo as tardes pensando nele. Não tenho vontades pela manhã ou depois do almoço. É em torno das 4 horas que vem um súbito – agora nem tão súbito – desejo. As meninas que trabalham no Panelinha comigo dizem que eu até começo a mudar de cor. Nem me olho no espelho, mas sinto que vou ficando amarela, que é a cor do sorvete de milho verde. Ou será que estou ficando com cor de camelo?
Na verdade, sorvete de milho não é nenhuma novidade para o meu paladar. Quando eu era criança, meu pai tinha uma Caravan daquelas com banco único na frente, motivo de briga entre os meus irmãos e eu para ver quem ia sentado entre os meus pais. “Ninguém”, era a palavra final. Aí vinha a disputa pelo assento da janela. E a trégua só surgia no Castelinho da Pamonha, que, então, era apenas uma lojinha na Rodovia Castelo Branco. Da pamonha, não me lembro. Mas o levíssimo sabor do sorvete de milho, não dá para esquecer.
(Lembrei-me de uma historinha, mas ela é bem bairrista, só para paulistanos. O sobrinho italiano do marido de uma amiga veio passar férias em São Paulo e, dois dias depois, não resistiu e perguntou: “essa maconha vendida na rua é boa?” Como? Minha amiga nem sabia o que responder. “Que maconha?”, foi a resposta. “Essa: maconha, maconha de Piracicaba”.)
Os anos se passaram e eu comprei o meu primeiro carro. Convidei um bando de amigos para estrear o possante tomando sorvete de milho verde no Castelinho da Pamonha. “Que nojo, sorvete de milho?”, era a resposta mais comum. Mas uma amiga topou fazer companhia. “Só uma pergunta: para que ir até a Castelo Branco? Você não gosta do sorvete de milho da La Basque?”
O quê? A La Basque tem sorvete de milho? Sim, naquela época tinha. Parece que saiu de linha. Acho que foi durante as minhas férias. Mea culpa. Como eu iria saber que a vida dele dependia de mim? Ou melhor, da compra semanal de um mísero potinho de sorvete? É por isso que o meu paladar me obriga a passar por essas fases. Ele sabe que tudo pode acontecer.
Eis que surge o picolé de milho verde. E a loja onde ele é vendido fica a menos de dois quarteirões do escritório. É um picolé cremoso, menos que o finado da La Basque, mais que o longínquo do Castelinho da Pamonha. Perfeito para uma tarde quente. Fico pensando no pior e tenho vontade de comer uns cinco por dia. Mas agora que conheço mais gente que gosta de sorvete de milho, vou combinar um revezamento. Se eu precisar viajar, sei que alguém vai comprar pelo menos um por dia. Assim, ele não sai de linha. E eu também não!
Foto: Ricardo Toscani