Pequeno dicionário indígena

Pequeno dicionário indígena
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Por Rita Lobo - 12 de abril de 2011


O Dia do Índio pode não ser uma comemoração muito importante para você. E, talvez, também não seja para mim, não fosse o batuque que ressoa na minha cabeça. É só a data ir se aproximando que ouço na minha mente uma voz: “Todo dia, era dia de índio, mas agora eles só tem o dia 19 de abril...”. Que tormento. Baby já nem é mais Consuelo, mas o refrão ainda não se desfez na minha mente. Acontece que o barulho do índio, ou melhor, dos nomes de origem indígena, não está só na minha cabeça. Basta dar uma olhada nos cardápios da cidade que você vai se deparar com tucupi, jambu, cupuaçu e pequi. E não estou me referindo a restaurantes de comida típica. O uso dos produtos nacionais por parte de chefs renomados não é exatamente uma novidade, mas é a tendência mais importante na gastronomia brasileira.

Um dos grandes embaixadores desse movimento foi o chef Paulo Martins, que morreu no fim de 2010. Ele deixou um legado imenso e vários seguidores. Em 2007, quando o chef Martins esteve em São Paulo, acompanhei todo o preparo de um jantar com pratos como carpaccio de pirarucu, mugica de aviú, picadinho de tambaqui, camarão no bacuri, pato no tucupi, maniçoba, arroz de jambu, pastéis de Santa Clara de cupuaçu e musse de açaí (veja o cardápio completo aqui). Confesso que, até então, não conhecia metade dos ingredientes. Foi com ele que comecei a prestar atenção nas comidas com nomes indígenas.

Talvez você ainda não tenha se deparado com um termo advindo do tupi em nenhum cardápio, mas é só uma questão de tempo. Aproveitando a proximidade com o dia 19 de abril, o Panelinha preparou para você um pequeno dicionário gastronômico indígena. Assim você fica por dentro da alta gastronomia brasileira e também fica a salvo de um programa de índio: não pega bem ler um cardápio bacana e fazer cara de paisagem amazônica. Acho que a Baby do Brasil vai ficar feliz em saber que agora, todo dia é dia de índio.

Pequeno dicionário gastronômico indígena

Aipim – é o alimento mais comum da nossa listinha. Talvez ele nem precisasse estar aqui, pois se você não conhece aipim, deve saber o que é mandioca ou macaxeira, certo? Então, é a mesma raiz, com nomes diferentes, de acordo com a região do país.

Bacuri – uma das frutas mais populares da região amazônica, ela é um pouco maior que uma laranja, tem casca grossa e dura e polpa agridoce. O bacuri pode ser comido puro ou utilizado na produção de doces, sorvetes, sucos, geléias e licores. Aqui em São Paulo a gente encontra o sorvete da fruta na sorveteria Taperebá.

Beiju – trata-se de uma panqueca feita com massa de farinha de mandioca fina e que pode ser recheada com vários ingredientes diferentes, doces ou salgados. Aos domingos, o Ritz, além dos famosos hambúrgueres, serve porção de beiju assado com manteiga e queijo.

Cambuci – fruta de uma árvore nativa da mata amazônica. Antigamente ela era muito abundante na cidade de São Paulo, aliás, foi assim que o bairro do Cambuci ganhou seu nome. A casca é verde e a polpa bem carnuda e doce com um toquezinho ácido. O nome cambuci é de origem indígena e deve-se à forma de seus frutos, parecidos com os potes de cerâmica que recebiam o mesmo nome. O chef Alex Atala, em seu menu do reino vegetal, fez diversas águas para acompanhar os pratos, entre elas, a de cambuci.

Cupuaçu – fruta amazônica de casca dura e amarronzada com polpa branca bem aromática. Por causa do sabor forte e ácido, que contrasta bem com ingredientes mais doces, a fruta é muito usada em sobremesas. No restaurante Tordesilhas, por exemplo, o cupuaçu vira sorvete e fica uma delícia.

Jambu – planta cujas folhas são usadas como tempero, menos pelo sabor, e mais pelas propriedades sensoriais. Na boca, elas provocam uma sensação de amortecimento. Antes, porém, dão choquinhos. Ou seja, a folha dá barato na língua. Em São Paulo, os chefs Felipe Ribenboim e Gabriel Broide fazem uma releitura de um típico prato judaico, o gefiltefish, que no Dois Cozinha Contemporânea é feito com pirarucu e servido com chrein de folhas e pistilos de jambu.

Mandioca-brava – se tiver no cardápio, não coma! Variedade tóxica de mandioca, rica em ácido clorídrico.

Maniçoba – prato clássico de Belém, é feito com maniva, a folha da mandioca. Diz a lenda que, crua, ela mata; depois de 3 dias na panela, apenas aleija (essa fui eu que inventei, mas é algo assim, bem estranho). Por isso, precisa cozinhar durante 7 dias. Depois, ganha todas as carnes de uma feijoada (e mais bucho). É praticamente uma feijoada sem feijão. Aqui em São Paulo, o chef Caio Henri, do Las Favas Contadas, prepara uma frigideira de maniçoba com frutos do mar.

Pequi – fruta da região centro-oeste, que pode ser comida crua ou usada no preparo de pratos como o arroz de pequi. Apesar da polpa macia e saborosa, o pequi não é tão inofensivo quanto parece. Ele deve ser comido com bastante cuidado, já que em volta do caroço há uma camada de espinhos. Para não machucar a boca, a técnica de degustação é simples: coma com as mãos, jamais com talheres; vá roendo com os dentes, cuidadosamente, até que a parte amarela comece a ficar esbranquiçada; pare antes que os espinhos possam ser vistos. Agora que você já sabe, coma tranquilamente quando encontrar um pequi por aí! O chef Carlos Ribeiro, do restaurante Na Cozinha, facilita e usa o pequi para aromatizar o azeite do frango empanado servido com purê de cará.

Pirarucu – em comprimento é o maior peixe de água doce do mundo. É preparado frito e também seco e desfiado, com farofa molhada. Por aqui, a chef Mara Salles faz no restaurante Tordesilhas um pirarucu fresco grelhado regado com tucupi.

Pupunha – no Norte, não é o palmito, como conhecemos aqui, mas o fruto da palmeira. Ele é redondinho e alaranjado. O sabor é uma mistura de pinhão com abóbora (mas a parte da abóbora talvez seja porque eu tenha me influenciado pela cor!).

Tacacá – é preparado com um caldo bem quente de tucupi (veja abaixo), sobre o qual se coloca uma goma de mandioca, camarão seco e jambu. Tipicamente, é servido numa cuia, no fim de tarde; praticamente um lanchinho amazonense! Mas no restaurante Tordesilhas, da chef Mara Salles, é uma entrada.

Tambaqui –peixe de rio, bem gordo, também chamado de pacu vermelho. Aqui em São Paulo, o Dois Cozinha Contemporânea serve uma costelinha de tambaqui com arroz preto e telha de aïoli.

Tapioca – pode ser a goma, o polvilho e também os granulados extraídos da fécula de mandioca. É usada para fazer beijus, sagus e pudins. O chef Alex Atala prepara no D.O.M. ostras empanadas com sagu de tapioca e ovas de salmão.

Tucunaré – é um peixe amazônicos de porte médio. Em São Paulo, vez ou outra aparece num menu especial da chef Ana Luiza Trajano, no restaurante Brasil a Gosto.

Tucupi – é o líquido que resulta do cozimento, por longo tempo, do suco da raiz da mandioca-brava, assim, a parte tóxica é extraída e a gente pode comer tranquilamente. O prato mais famoso feito com essa preparação é o pato no tucupi. Mas a chef Helena Rizzo, do restaurante Maní, criou um peixe no tucupi com banana da terra e migalhas de maní. Delicioso.

Truque

Se você quer aderir a tendência em casa, mas não tem o menor jeito com cozinha, pode começar comprando apetrechos indígenas, como cestas, ótimas para colocar frutas no centro da mesa. São lindas e, por deixarem as frutas arejadas, conservam melhor o alimento.