Paladar brasileiro
Por Rita Lobo - 02 de agosto de 2010
Estou, assim, meio sem graça de começar este post com algo tão clichê, mas santo de casa, realmente, não faz milagre. E, definitivamente, em casa de ferreiro... Bem, você sabe. Mas já vivenciou?
Eu passo a vida fazendo comida, falando de comida, pensando em como facilitar a cozinha para deixar a mesa de casa, da minha e da sua, mais saborosa, mais saudável, mais cheia, e não só de comida. Bom, eu gosto de mesa cheia de gente. E gosto de ver quando meus filhos se deliciam com algum prato diferente.
Com a Dora, isso não é coisa rara. Ela experimenta, quer saber, é corajosa. Já o meu filho, até de feijão tem medo. Espero que seja uma fase, mas à medida ele cresce, o paladar parece que regride. Ele era aquela criança que comia de tudo. Mas agora só quer saber de macarrão. Sabe como é?
Não pense, porém, que ele não se interessa por comida. Gosta de cozinhar, de preparar, misturar, cortar, inventar, mas ficou chato justamente para comer. Que é a melhor parte. Nesse último fim de semana, algo mágico aconteceu.
Vou de trás para frente. Hoje, logo depois da escola, ele entregou à Sandi, que trabalha conosco, uma pastinha recheada, bem gordinha. “O que é isso, Gabriel?”, perguntou ela com um olhar desconfiado. Como se fosse uma coisa corriqueira, ele respondeu: “Umas receitas para você fazer para mim, pode ser?”
Da mesa, fiquei observando, curiosa com o desenrolar. Ele tirou algo de uma sacolinha e perguntou a ela: “Você sabe o que é isso?” E a Sandi abriu um sorriso de orelha a orelha: “Minha mãe usava para fazer arroz!” Surpreso, o Gabriel perguntou: “Então o arroz dela é vermelho?”
Peralá, o olho arregalado dele não tinha a ver com a Sandi conhecer urucum, mas com o uso que a mãe dela fazia do corante? Onde é que a conversa iria parar. Na sacola, ainda tinha uma baunilha da Amazônia, umas sementes que eu mesma nunca vi e a lembrança do gosto da calda de cumaru, da telha de baru. Ele também falou de amburana, de fruta-pão e de outras coisas que não combinam com um menino que não come manga, tem medo de feijão e, se pudesse, viveria de pão e macarrão. Sem molho.
As receitas eram do chef Thiago Castanho, e a pastinha, do evento Paladar – Cozinha do Brasil. O chef, no dia anterior, havia demonstrado em aula o preparo das receitas que iam sendo degustadas pelos participantes.
Eu havia levado meus filhos para assistir a uma aula sobre chocolates orgânicos. Afinal, de chocolate ninguém corre. Mas eles não conseguiram seguir o cronograma: antes mesmo de a degustação começar, na bandejinha deles não havia sobrado nem o pó do chocolate.
Um pouco entediado, meu filho pediu para dar uma voltinha. Ele saiu e, eu soube depois, entrou na sala ao lado. Quando a degustação de chocolate terminou, fui em busca dele e encontrei um menino compenetrado numa aula de comida paraense with a twist. Eu só peguei o finzinho. Mas soube por ele que era uma ‘cozinha de cheiros’, e que eu tinha perdido um pudim de tapioca maravilhoso e também um queijo com cupuaçu sem igual.
O que vocês fizeram com o meu filho? Havia testemunhas de que ele comeu pudim de fruta-pão, toffee quente de amburana e todos os pratinhos oferecidos para degustação.
Eu não sei exatamente o que aconteceu, mas, hoje no almoço, ele me perguntou quando eu faria aquela ‘sopa de pé de galinha’. Que fique claro, é apenas caldo, que eu faço todas as semana, e ele nunca tomou. “Eu não tomo sopa”, costuma ser a resposta quando pergunto se ele não quer nem uma provinha. Mas a de pé de galinha, disse que está querendo experimentar.
Ah, a foto do post foi feita no “Scent Dinner”, um jantar de harmonização de perfumes, uma estranha e simpática experiência inventada e conduzida por Chandler Burr, crítico de perfumes do NY Times e dos caras mais cheirosos que já conheci. Brincadeira, por motivos óbvios, o uso de perfume era proibido no evento.
A interpretação dos perfumes foi feita pelo chef Simon Lau, do Aquavit, de Brasília. Ele traduziu as fragrâncias em pratos com ingredientes típicos do Centro-Oeste. After all, o nariz pode ser internacional, mas a cozinha tinha que ser do Brasil.
Entre os sete pratos do menu estava o pirarucu com gomos de mexirica-cravo marinados em gengibre servido com caviar de piranha. Se eu soubesse que o jantar seria assim, teria levado o meu filho. Quem sabe no ano quem vem o evento não oferece pelo menos uma atividade pensada para crianças? Já pensou? Vamos criar monstros!