Os feijões mágicos do Edinho
Por Rita Lobo - 01 de agosto de 2011
De trás para frente, começo pela conclusão: vou cozinhar mais com ingredientes brasileiros. Mal terminou a 4a edição do já tradicional evento Paladar – Cozinha do Brasil, organizado pelo Estadão, e eu estava na gôndola do supermercado 24 horas comprando mandioca. Antes disso, porém, ouvi, aprendi, comi, repeti, conversei – e deu muita vontade de colocar em prática novas ideias.
Não consegui assistir a tudo o que eu queria. Mas em vez de falar do que perdi, conto logo que ganhei uma profunda admiração pelo Edinho Engel. Na aula dele, Mil e um feijões, tive vontade de comer feijão por mil e uma noites. Ele fala tão bem, explica, conta história, é tudo tão natural. E quanto assunto 12 tipos de feijão podem render! Foi a aula inicial do evento. O chef cozinhou separadamente cada variedade e colocou em 12 tigelinhas, na mesma ordem, ‘de leitura ocidental, da esquerda para a direita, de cima para baixo”. Todo mundo degustou, pensou, associou e assim ele ilustrou o processo de criação de pratos que fez para a festa, opa, a aula, como a moqueca de feijão mulatinho com ovo e o bacalhau com feijão mangalô.
A Dora, minha filha, que ainda não tem 7 anos, comeu feito gente grande. (E fez a foto que ilustra o post – mãe coruja não perde a oportunidade!). Ela adorou a salada de feijão com frutos do mar, e eu ainda estou sonhando com o caldinho de feijão branco com lula e camarão – não é uma ideia linda, um caldinho de feijão branco? Acho até que ele chamava de creme, ou de sopa creme. Será? Não lembro direito.
Eu quero contar sobre outras conversas, outros encontros, on and off. Isto é, além das aulas, das palestras e das degustações, muita coisa acontece nos corredores. O Paladar – Cozinha do Brasil é um congresso, mas tem, mesmo, jeito de festa. Imagine, brasileiro falando de comida brasileira, só podia dar nisso. E quem vem de fora, quando não está comendo, fica de queixo caído.
Agora, porém, eu não tenho outro assunto, só consigo pensar nos feijões. Então, vou dividir as minhas anotações com você. Quem sabe, assim, abro espaço mental para outro ingrediente e, no próximo post, consigo falar da minha quase xará, Ana Rita Suassana, sem dúvida a mais divertida das cozinheiras e ‘guru espiritual’ do chef Rodrigo Oliveira. Muito milho e cachaça resultou do encontro. Ou talvez consiga contar sobre o futuro dos hábitos alimentares do brasileiro, segundo o chef José Barattino e o jornalista Roberto Smeraldi. Mas, agora, sim, vamos começar pelo começo, pelos feijões da primeira aula, que não tinham nada de dia a dia, de comida cotidiana. Foi a festa do feijão com gosto de festa.
Acho até que eram feijões mágicos, talvez como os cinco grãos do João. Você se lembra do enredo? A pedido da mãe, o menino ia ao mercado vender uma vaca mas trocava o animal por feijões. Parece que é isso mesmo que vamos ter que fazer. Menos carne, mais leguminosas. Mas isso também é assunto pra daqui a pouco. Outro post.
Os 12 feijões, e as minhas anotações
Branco – é macio, cremoso, é o primeiro da degustação – e é o meu favorito. Para o Edinho, o problema é a casca. “Dá vontade de tirar e fazer um purê”, diz o chef. Eu não me incomodo com ela. Penso no grão-de-bico, que é muito pior, e a casca nem fica tão cascuda. Mas ele mostra o caminho do pensamento para eliminar a sensação provocada por ela: faz um caldinho, cremoso por natureza, porém leve, beirando uma versão rala de uma sopa de feijão. Eu gosto de feijão-branco de mil jeitos: com atum, vira salada rápida; batido com mixer, se transforma em purê; e, amassadinho com garfo, com cebola picada e salsinha, vira pasta para passar no pão.
Verde – o sabor dele foge da boca, vai embora rapidinho. Mas, mastigando, vem um gosto vegetal. O chef explica que é um primo do fradinho, é feijão que não dá caldo. Por isso, ótimo para fazer saladas.
Mangalô – Para mim, na primeira mordida, veio um sabor de camarão. Muito chique esse feijão, já vem com gosto de camarão! Não por acaso, mas por associação, na aula, ele foi parar numa espécie de bacalhoada. Linda, verdejante e saudável.
Andu – é um tipo de feijão que costuma ser vendido já de molho, dentro d’água. Como a mandioca, que precisa ferver e trocar a água, Edinho conta que precisou ferver três vezes para tirar a acidez dos grãos. No ‘Paladar’, ele foi cozido com aves. Finíssimo.
Fradinho – e não é que eu não anotei nada? Mas acho que é porque ele a gente conhece de cor e salteado, né?
De corda – é intenso, potente, é o feijão que se usa para fazer baião de dois. E faz um bom tropeiro.
Carioquinha – em São Paulo, acho, é o mais usado para o feijãozinho do dia a dia. Ele se desmancha, tem a casca fininha e faz um caldo cremoso.
Preto – é o feijão da feijoada, mas é também o do cotidiano carioca – no Rio, quase não se usa carioquinha! Mas, na degustação, sem nada, só o grão cozido com um pouco de sal, para mim, o sabor é doce. Feijão preto é doce! Aí me lembrei de uma sobremesa da dona Margarida, do Izakaya Issa. Ok, é doce de feijão japonês, mas não é o que você está pensando... Eu posso explicar. Os grãos, inteiros, ficam numa calda de açúcar e lembram muito marron glacê. Delícia.
Mulatinho - é o feijão da mesa baiana, do dia a dia, cheio de caldo, com louro e cheiro verde. Pelo menos é assim que eu me lembro do feijão na Bahia!
Badajó – a variedade foi surpresa até para o chef. Ele conta que achou e comprou esse feijão no mercado de Salvador, onde passa maior parte do ano. O sabor predominante é de castanha e, segundo Edinho, “dá um caldo bom”. Fiquei pensando como seria esse feijão cozido e depois assado, sem o líquido.
Enxofre – outro tipo trazido da Bahia, esse feijão é bem generoso: ele cresce, fica bem maior do que os outros. Com jeito de explorador relatando a descoberta, o chef diz que pouco se sabe sobre a variedade: “Nem no Wikipedia tem página sobre ele”, orgulha-se Edinho.
Manteiguinha – direto do Pará, o mais fofinho dos feijões é também doce. Miudinho, branquinho e primo do fradinho. Estou pensando seriamente em cozinhar com uma beterraba para fazer um feijão cor-de-rosa para a minha filha. Se der certo, eu conto – e ela fotografa!
Não consegui assistir a tudo o que eu queria. Mas em vez de falar do que perdi, conto logo que ganhei uma profunda admiração pelo Edinho Engel. Na aula dele, Mil e um feijões, tive vontade de comer feijão por mil e uma noites. Ele fala tão bem, explica, conta história, é tudo tão natural. E quanto assunto 12 tipos de feijão podem render! Foi a aula inicial do evento. O chef cozinhou separadamente cada variedade e colocou em 12 tigelinhas, na mesma ordem, ‘de leitura ocidental, da esquerda para a direita, de cima para baixo”. Todo mundo degustou, pensou, associou e assim ele ilustrou o processo de criação de pratos que fez para a festa, opa, a aula, como a moqueca de feijão mulatinho com ovo e o bacalhau com feijão mangalô.
A Dora, minha filha, que ainda não tem 7 anos, comeu feito gente grande. (E fez a foto que ilustra o post – mãe coruja não perde a oportunidade!). Ela adorou a salada de feijão com frutos do mar, e eu ainda estou sonhando com o caldinho de feijão branco com lula e camarão – não é uma ideia linda, um caldinho de feijão branco? Acho até que ele chamava de creme, ou de sopa creme. Será? Não lembro direito.
Eu quero contar sobre outras conversas, outros encontros, on and off. Isto é, além das aulas, das palestras e das degustações, muita coisa acontece nos corredores. O Paladar – Cozinha do Brasil é um congresso, mas tem, mesmo, jeito de festa. Imagine, brasileiro falando de comida brasileira, só podia dar nisso. E quem vem de fora, quando não está comendo, fica de queixo caído.
Agora, porém, eu não tenho outro assunto, só consigo pensar nos feijões. Então, vou dividir as minhas anotações com você. Quem sabe, assim, abro espaço mental para outro ingrediente e, no próximo post, consigo falar da minha quase xará, Ana Rita Suassana, sem dúvida a mais divertida das cozinheiras e ‘guru espiritual’ do chef Rodrigo Oliveira. Muito milho e cachaça resultou do encontro. Ou talvez consiga contar sobre o futuro dos hábitos alimentares do brasileiro, segundo o chef José Barattino e o jornalista Roberto Smeraldi. Mas, agora, sim, vamos começar pelo começo, pelos feijões da primeira aula, que não tinham nada de dia a dia, de comida cotidiana. Foi a festa do feijão com gosto de festa.
Acho até que eram feijões mágicos, talvez como os cinco grãos do João. Você se lembra do enredo? A pedido da mãe, o menino ia ao mercado vender uma vaca mas trocava o animal por feijões. Parece que é isso mesmo que vamos ter que fazer. Menos carne, mais leguminosas. Mas isso também é assunto pra daqui a pouco. Outro post.
Os 12 feijões, e as minhas anotações
Branco – é macio, cremoso, é o primeiro da degustação – e é o meu favorito. Para o Edinho, o problema é a casca. “Dá vontade de tirar e fazer um purê”, diz o chef. Eu não me incomodo com ela. Penso no grão-de-bico, que é muito pior, e a casca nem fica tão cascuda. Mas ele mostra o caminho do pensamento para eliminar a sensação provocada por ela: faz um caldinho, cremoso por natureza, porém leve, beirando uma versão rala de uma sopa de feijão. Eu gosto de feijão-branco de mil jeitos: com atum, vira salada rápida; batido com mixer, se transforma em purê; e, amassadinho com garfo, com cebola picada e salsinha, vira pasta para passar no pão.
Verde – o sabor dele foge da boca, vai embora rapidinho. Mas, mastigando, vem um gosto vegetal. O chef explica que é um primo do fradinho, é feijão que não dá caldo. Por isso, ótimo para fazer saladas.
Mangalô – Para mim, na primeira mordida, veio um sabor de camarão. Muito chique esse feijão, já vem com gosto de camarão! Não por acaso, mas por associação, na aula, ele foi parar numa espécie de bacalhoada. Linda, verdejante e saudável.
Andu – é um tipo de feijão que costuma ser vendido já de molho, dentro d’água. Como a mandioca, que precisa ferver e trocar a água, Edinho conta que precisou ferver três vezes para tirar a acidez dos grãos. No ‘Paladar’, ele foi cozido com aves. Finíssimo.
Fradinho – e não é que eu não anotei nada? Mas acho que é porque ele a gente conhece de cor e salteado, né?
De corda – é intenso, potente, é o feijão que se usa para fazer baião de dois. E faz um bom tropeiro.
Carioquinha – em São Paulo, acho, é o mais usado para o feijãozinho do dia a dia. Ele se desmancha, tem a casca fininha e faz um caldo cremoso.
Preto – é o feijão da feijoada, mas é também o do cotidiano carioca – no Rio, quase não se usa carioquinha! Mas, na degustação, sem nada, só o grão cozido com um pouco de sal, para mim, o sabor é doce. Feijão preto é doce! Aí me lembrei de uma sobremesa da dona Margarida, do Izakaya Issa. Ok, é doce de feijão japonês, mas não é o que você está pensando... Eu posso explicar. Os grãos, inteiros, ficam numa calda de açúcar e lembram muito marron glacê. Delícia.
Mulatinho - é o feijão da mesa baiana, do dia a dia, cheio de caldo, com louro e cheiro verde. Pelo menos é assim que eu me lembro do feijão na Bahia!
Badajó – a variedade foi surpresa até para o chef. Ele conta que achou e comprou esse feijão no mercado de Salvador, onde passa maior parte do ano. O sabor predominante é de castanha e, segundo Edinho, “dá um caldo bom”. Fiquei pensando como seria esse feijão cozido e depois assado, sem o líquido.
Enxofre – outro tipo trazido da Bahia, esse feijão é bem generoso: ele cresce, fica bem maior do que os outros. Com jeito de explorador relatando a descoberta, o chef diz que pouco se sabe sobre a variedade: “Nem no Wikipedia tem página sobre ele”, orgulha-se Edinho.
Manteiguinha – direto do Pará, o mais fofinho dos feijões é também doce. Miudinho, branquinho e primo do fradinho. Estou pensando seriamente em cozinhar com uma beterraba para fazer um feijão cor-de-rosa para a minha filha. Se der certo, eu conto – e ela fotografa!