Nigellices

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Por Rita Lobo - 01 de julho de 2013


No mês passado, além da sessão Panelinha na revista Lola, escrevi um perfil da nossa musa, Nigella Lawson. Não viu? Então leia a seguir.

Aula com Nigella

Vira e mexe as pessoas se referem a mim como a Nigella brasileira. Quem me dera! Mas já que fizeram a comparação mesmo, resolvi aproveitar a visita dela ao Brasil para tomar umas aulinhas de Nigellices. Sim, porque uma coisa sobre ela eu já sabia: não deve ser fácil ser uma Nigella. Em primeiro lugar, você precisa ser filha de Nigel Lawson, ministro da Fazenda do governo Thatcher, e de Vanessa Salmon, herdeira do J. Lyons and Co, grupo inglês que teve uma de suas empresas vendidas para Nestlé. Resultado deste cruzamento genético feito no topo da cadeia alimentar, Nigella é inglesa fina, inteligente, linda. É mulher diva. Do tipo que usa cílios postiços para dar entrevistas, que não se incomoda em cozinhar dentro de roupa de gala. Ah, e está magra. Magérrima, minha gente. Daria para escrever uma matéria inteira sobre a beleza de Nigella. A pele, a cor dos olhos. Sabe mulher bem cuidada? E ainda tem uma maquiadora a tiracolo...

Mas onde eu estava mesmo, nas aulinhas, claro. Mulher, a gente sabe, é um bicho esquisito. Então, em vez de eu me concentrar em estudar a vida dela, como faria uma aluna aplicada, usei minha cabeça para elaborar perguntas do tipo: levo meu último livro? Ou não levo? Me arrumo um pouquinho ou vou descabelada mesmo? O que Nigella faria no meu lugar?? Dilema resolvido, vamos lá, vamos aprender tudo com ela.

Nigella veio ao Brasil para lançar ‘Na Cozinha com Nigella’ (Best Seller, 512 págs., R$ 99,90), seu oitavo livro. São nove, em 14 anos. “São nove? Eu não sei. Nunca contei. Não planejo. Sempre tenho uns três projetos em mente e deixo o processo de seleção natural trabalhar. Vejo em qual deles vou ficando mais interessada, pesquisando mais, e deixo o meu estomago decidir. Não gosto de conversar com ninguém sobre os meus projetos. Se falar muito, eles ficam chatos para mim. Quando eu era colunista, pedia ao meu editor para não ter que contar sobre o que iria escrever. Tenho que ir fazendo ‘ao vivo’, o assunto precisa ser uma descoberta para mim.”

Em 1998, quando lançou seu primeiro livro, How to Eat, os ingleses já conheciam o nome Nigella — mesmo que por tabela, ela sempre esteve na vida pública. O sucesso foi estrondoso. Milhares de cópias vendidas. Somente dois anos depois ela lançou sua primeira série de televisão, Nigella Bites. “Tudo começou porque eu queria escrever sobre comida, queria ver se eu conseguia encontrar a minha voz, uma linguagem. E eu continuo me sentindo eu mesma escrevendo. Não me interessaria mais em escrever se não fosse assim. Outro dia, estava em reunião com pessoas que fizeram um aplicativo meu, e um deles me perguntou: ‘Quem escreve os seus livros?’. Isso me surpreende! Qual seria o sentido de lançar livros que eu não escrevi? E, além do mais, eu sou péssima para delegar.”

Ela folheia o meu livro, eu folheio o dela. “Quer dizer que fazemos a mesma coisa?”, Nigella me pergunta. Guardadas as devidas proporções... Mas como será que ela funciona? “Eu sempre trabalho com as mesmas pessoas, é uma família, e essa noção de familiaridade é muito importante na vida. Eu adoro a minha equipe. Ela não é muito grande. E tenho apenas duas pessoas que trabalham comigo em tempo integral. E mais duas que ficam meio período. Eu mesma faço os pratos para fotografar, tenho apenas uma assistente na cozinha e o fotógrafo. É tudo na minha casa. O diretor do programa, o câmera, são pessoas que viram meus filhos crescendo, desde que eles tinham 2 e 4 anos. Uso sempre as mesmas panelas, você pode reconhecer nas fotos de vários livros, e de vez em pego emprestado nas lojas, como esse pano aqui. Eu testo as receitas três vezes, mais ou menos, e, as que vão ao forno, envio para outras pessoas testarem, além de mim, porque os fornos são diferentes.”

Quase 10 livros e mais de 10 séries de programas de televisão transformaram Nidella numa celebridade internacional, as vezes perseguida por paparazzi. Mas ela fala como uma operária da cozinha, as voltas com o velho dilema entre as duras horas de trabalho e a qualidade de vida. “Recentemente fiz um programa para os EUA (The Taste, da ABC). Os americanos trabalham de outro jeito: tudo é muito rápido — nas minhas séries de televisão, gravo como se fosse cinema, com mais tempo. Foram 10 horas de televisão em três semanas de gravação. Eu acordava às 4 horas e terminava às 21 horas. Só dá pra fazer isso três semanas. Mas a verdade é que tudo toma muito tempo. E, se você quer ter uma vida normal, não dá... Eu não faço tanto quanto outras pessoas. Eu escrevo um livro a cada dois anos. E gravo no máximo seis semanas. Ficaria louca se não tivesse uma vida normal. E eu não gosto de reuniões, sou muito ruim, posso colocar um longo na cozinha, mas reuniões, não. Tento fazer tudo sem precisar de reuniões, ou em reuniões muito informais. Eu costumo ser ruim em tudo que requer uma abordagem muscular nos negócios.”

Nigella e eu temos um amigo londrino em comum. Comento com ela que, há quase 20 anos, eu disse para ele que estava querendo fazer um curso de gastronomia em Londres, mas estava achando muito caro. Ele me respondeu: “Oh, Rita, é tão vulgar falar de dinheiro...” Nigella cai na gargalhada. Eu digo a ela que nunca entendi se isso era uma coisa inglesa ou se o nosso amigo estava tentando disfarçar as origens judaicas. “Isso é uma coisa muito judaica! Você sabe o Stephen Fry? O avô dele era judeu húngaro, e falava com um sotaque (húngaro) fantástico, mas se vestia como o mais inglês dos ingleses, como se estivesse sempre pronto para caçar. As pessoas acham que os EUA tem mobilidade social, mas a Inglaterra também, é um país feito por imigrantes...”

Assim como o nosso amigo, Nigella também é judia, criada bem distante da religião, mas, como ela mesma diz, “eu sou porque sou” (ah, sim, temos isso em comum). E, talvez por isso, ou por ser inglesa (ainda não entendi muito bem), ela também poderia achar vulgar eu perguntar sobre finanças. Mas acho que isso faz parte da minha aula. Ela é tão bem sucedida! Então lanço a pergunta: como é que se lida com dinheiro? “Prefiro gastar do que investir...” E nós duas caímos na gargalhada. “Tem um antigo ditado inglês que diz o seguinte: quem quer ser a pessoa mais rica no túmulo? É mais ou menos isso que penso. E temos que dividir a nossa fortuna, e aí não digo apenas no sentido financeiro, com as pessoas, com os amigos. Prefiro gastar levando bons amigos para viajar...” Nigella! Vamos ser amigas? E mais gargalhadas.

“Cozinhar é como escrever, e ler, como comer.” Nigella tem um monte de frases boas. E fala pelos cotovelos. Faz televisão, escreve de um jeito bem pessoal, coloca os filhos na telinha, mas, curiosamente, é uma mulher blindada. Aliás, acho que as pessoas mais fechadas são as que mais falam. É um artifício excelente. Cria-se uma barreira, não dá espaço para as pessoas chegarem perto. Quantos anos tem seus filhos? “Estão velhos, muito velhos. Eles tem 16, 18 e 19.” Ué, não eram dois? Ela trata o enteado como filho. Nigella ficou viúva jovem e logo se casou novamente. Mas essa história todo mundo sabe, não? “É muito difícil trabalhar quando os filhos são pequenos! E, mesmo agora, preciso voltar logo para Londres, pois as provas começam na semana que vem.” Nigella é obviamente uma típica mãe judia. Comento que estou numa fase difícil com a minha filha. Ela está crescendo e eu não consigo deixar de trata-la como bebê. É irresistível, mas ela não está nada feliz com isso. Tenho levado várias patadas. Nigella olha fundo nos meus olhos e diz: “Isso é ótimo, ótimo! É muito melhor eles odiarem a gente do que se odiarem!” Tá bom também. Não tive minha aula de finanças, mas ganhei dicas sobre maternidade. E também comprovei que está para nascer outra Nigella Lawson. Não tem igual.

Foto: Robert Astley Sparke para revista Lola Mag da editora Abril