Figos em Paris

Figos em Paris
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Por Rita Lobo - 04 de fevereiro de 2009


Um amigo chegou de viagem e trouxe um livro tão lindo que nem precisava ser tão bom. Antes de falar do livro, um comentário. Aqui no Panelinha, tento não deixar o meu gosto pessoal influenciar a escolha das receitas que serão testadas e publicadas. Eu não sou muito fã de camarão, por exemplo, mas quem é encontra bobó, risoto, salada, espetinho, todos com camarão. Por outro lado, não é segredo que figo é das minhas frutas favoritas. Pelo sabor, pelo aroma, pelas lembranças e até pela esperança. O livro chama-se A platter of figs and other recipes. Começou bem.

O autor, David Tanis, é um dos chefs executivos do Chez Panisse, restaurante de Alice Waters, uma das mais importantes chefs norte-americanas, desde o tempo em que a maioria de nós ainda comia papinha de bebê. Então, ele é um dos chefs porque, há alguns anos, fez uma coisa que muita gente pensa, só pensa, mas não pode ou não tem coragem de fazer (ou não pode porque não tem coragem). Foi passar férias em Paris e se perguntou: E se eu morasse aqui? Para encurtar a história, desde então, ele passa metade do ano trabalhando com Alice, em Berkeley, na Califórnia, e os outros seis meses em Paris. Rapidamente, transformou um pequeno apartamento numa espécie de restaurante chamado Aux Chiens Lunatiques, homenagem ao fox-terrier Arturo e ao labrador Ajax, provavelmente, dois cachorros loucos. Uma ou duas vezes por semana, os cachorros, David e o parceiro, Randal Breski (que já foi maître do Chez Panisse), recebem 12 pessoas em uma mesa única, de frente para a cozinha aberta para sala. Todos comem, bebem, conversam e pagam a conta.

Muito bem. Além dos figos, a graça do livro é que as receitas e cardápios vêm desses jantares, e não do restaurante na Califórnia. Isso significa que, em casa, temos mais chances de acertar o preparo dos pratos, uma vez que o autor também os executou numa cozinha caseira, mais especificamente, uma pequena cozinha caseira de um apartamento em Paris. (Quer dizer, tem esse outro lado: em Paris, a qualidade dos ingredientes é outra; e a reprodução aqui sempre sofre um pouquinho, especialmente com receitas de cordeiro, ostras, queijos, um singelo tomate...)

Mas voltando aos figos, ninguém precisa de receita para servir um prato cheio deles. E esse é o ponto do livro. É preciso saber sobre o ingrediente que iremos utilizar; só conhecendo figos (ou qualquer ingrediente) dá para perceber se eles “querem uma pitada de sal, um fio de um bom azeite de oliva e uma fina fatia de presunto cru ou se querem uma fatia de ricota com mel, para intensificar o sabor, ou ainda se eles vão para o forno com cebola e tomilho para serem servidos com um peito de pato grelhado”, exemplifica o autor.

Em casa, e no restaurante, a filosofia de David Tanis é a mesma: o frescor dos ingredientes define o cardápio. Ele diz: “Acima de tudo, uma travessa de figos é uma metáfora para a comida que eu gosto. Figos frescos são voluptuosos e generosos, luxuosos e transitórios. E lindos.” E o livro também. E ainda dá vontade de correr para a cozinha, mesmo que não seja em Paris. (Já pensou? A pessoa acorda e avisa à família: agora a mamãe só cozinha se for em Paris...)