Férias, part one
Por Rita Lobo - 06 de janeiro de 2010
A televisão inglesa tinha um costume muito útil para os telespectadores. Entre um intervalo e outro, o locutor avisava a qual parte do programa iríamos ou tínhamos acabado de assistir. Se você pegava o bonde andando, não ficava sofrendo para saber se aquele era o começo ou o fim. Quer dizer, talvez você não sofra com isso, mas quando a tevê era menos interativa, eu detestava descobrir, depois de 5 minutos, que tinha me apegado a um programa que estava terminando. Antes do intervalo, o locutor anunciava: “end of part two”. Oba, mais um bloco.
As minhas férias serão divididas em três partes. O post de hoje refere-se a “end of part one”. Passei uma semana na praia, na casa de um grande amigo. Uns dos melhores que tenho. Este não foi o primeiro réveillon que passamos juntos. Mas muitos anos se passaram desde o último. Naquele, ainda éramos livres, leves e soltos. Agora, temos a responsabilidade que nasce junto com os filhos. E também as recompensas. Além dos filhos, já nos casamos, separamos, mas não na velocidade que a frase induz a pensar.
Eu nunca raspei o cabelo, mas imagino que deixe uma sensação parecida com a de uma separação. Você já fez tudo o que podia, descoloriu, tingiu, fez permanente, progressiva, nada deu jeito no seu cabelo, até que a ideia de raspar a cabeça vai brotando, se instaurando na sua mente. Um dia, você cria coragem e passa a máquina. Se olha no espelho e não se reconhece. No dia seguinte, sente uma falta danada do cabelo. Você chora. Sabe que ele estava caindo, podre, feio e ressecado, tingido de uma cor que não favorecia a sua pele, mas era o seu cabelo, você estava acostumada, era com ele que você se via. Agora você é careca, e não sabe o que é pior, ter o cabelo feio ou não ter nenhum fio na cabeça.
Mas a natureza é sábia, antes que você compre uma peruca, o cabelo novo vai nascendo, mais forte, mais brilhante, e você começa a idealizar um novo corte, avalia se vai usar curto ou longo, com ou sem franja, reflete se vai ou não resistir às luzes que seu cabeleireiro insiste em fazer.
O ano está começando. Mas entrei em 2010 sem resoluções, nenhuma listinha, nada de desejos incontroláveis. Estou até me sentindo um pouco culpada. Bem pouco, para dizer a verdade. Ao mesmo tempo que gostaria de estar cheia de planos, para me sentir no clima de começo de ano, estou aliviada que não preciso realizar nenhum projeto que eu não esteja com vontade. Não é libertadora a ideia de poder fazer o que quiser? Tenho um ano todo pela frente para fazer planos para a vida toda, ou só para depois de amanhã.
Passei as fotos da viagem para o computador. Há imagens lindas das crianças na praia; a casa é de cair o queixo, no meio da mata, cozinha aberta para sala, ofurô gigante, como se a manhã toda no mar já não fosse suficiente para relaxar. Mas a foto que escolhi para ilustrar este post é a que mais me chama atenção. Dora caminhando, Gabriel desenhando.
Por sorte, consegui aproveitar a primeira parte das minhas férias para estar de férias. Fiquei com a cabeça no presente, sem me preocupar com o futuro nem lastimar o passado. Uma semana mágica. Olho para os meus filhos e enxergo os passos certos; olho para a foto e vejo um desenho, não o que o Gabo está fazendo, mas o meu, que já tem traços dele e da Dora. Não é mais só meu. É nosso. Não estou livre, leve nem solta. Graças a Deus. Meus passos, todos eles, são para andar junto com meus filhos. Penso no locutor inglês e percebo que seria mais confortável ter alguém me dizendo onde estou. Mas daí eu me sentiria apenas uma espectadora da minha própria vida. End of part one. Amanhã começa a segunda parte das minhas férias. Vou viajar por mais uma semana. Depois eu conto.