Era uma vez uma chef chocolatière...
Por Rita Lobo - 05 de outubro de 2007
A pintinha sobre a boca é, na verdade, a única prova de que esta menininha acaba de comer uma barra de chocolate. Mas ela não fica agitada, como boa parte das crianças ficaria. Ela está pensativa. A menina apóia o queixo na mão, fecha os olhos e só enxerga chocolate ao seu redor. Ela não vê uma fábrica com rios, cachoeiras e lagos de chocolate, como tantas crianças veriam. Ela imagina pequenos e saborosos cubos, banhados um a um, polvilhados com pó dourado, que mais parece ouro. Ela é uma joalheira de chocolates.
Muitos anos se passam, e a menina com olhos cor-de-chocolate vira administradora de empresas. Mas, de vez em quando, ela pisca e vê dentro dela uma camada de chocolate se espalhando. Nas férias, faz cursos de culinária. Na páscoa, vira noites fazendo ovos para vender.
Um dia, a menina crescida decide fazer pós-graduação. Ela trabalhava com pesquisa de mercado. Ela pensa, pensa, lembra-se do chocolate, mas acaba fazendo mestrado em marketing na UC Berkeley. Quando o curso acaba, volta para São Paulo, continua trabalhando com marketing e sonhando com chocolate. Até que, um dia, a menina já casada combina com o marido que iriam passar um tempo no exterior. Vão para a Austrália.
Aos 29 anos, a menina abre os olhos e está na mais famosa escola de gastronomia do mundo, Le Cordon Bleu. Entre módulos, estágios e trabalhos, Luciana fica 2 anos confeitando nas cozinhas de Sidney. Aprende tudo o que pode. E volta para casa, que rapidinho ganha ares de cozinha experimental. Como chocolate, a cozinha vai se espalhando, ocupa a sala, depois os quartos e o casal se muda para a casa vizinha. Luciana faz doces e bolos para festas.
Um dia, uma moça doce como chocolate aparece com uma proposta. Quer lançar uma marca de chocolates especiais. Luciana vira consultora e lá vai ela para a França em busca de novidades.
De Paris, vem as primeiras receitas e conceitos da Cau Chocolates. Luciana adapta ao clima brasileiro as tendências indicadas pelo chef Hugues Pouget, que envia por e-mail a receita e a descrição detalhada de cada bombom. É com ele que Luciana abre os olhos para as infusões. Chá de earl grey, de jasmim, de erva-cidreira, todos perfumando os bombons. Mas o creme de leite daqui é diferente. E o sabor da canela também. E sem falar no calor! Ele influencia a consistência do chocolate. São necessários 12 meses de testes para chegar ao sabor e à textura perfeitos. Além das infusões, são criadas várias outras linhas, como a Brasil, que combina, com delicadeza, o sabor da goiaba, do maracujá e até da caipirinha com o chocolate.
Aos poucos, a imagem que a menina viu quando era criança foi se tornando realidade. E o chocolate foi se espalhando, se espalhando, até dominar a cozinha e os pensamentos da chef, que não tinha mais tempo para fazer seus bolos nem outros docinhos. Com o nascimento da Cau, a menina, que era joalheira de chocolates, vira chef chocolatière. Mas agora ela não come mais barras de chocolate. Quer dizer, só profissionalmente. E continua deixando um pintinha sobre a boca.