Cozinha Prática: especial de Natal

Cozinha Prática: especial de Natal
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Por Rita Lobo - 20 de dezembro de 2014


Há alguns meses, quando comecei a produzir o episódio de Natal do Cozinha Prática, decidi que não iria preparar peru. Apesar da audiência garantida para o prato, resolvi arriscar e sugerir outra receita. São basicamente dois os motivos. O primeiro, você já deve saber: não existe mais a opção de comprar no mercado peru sem tempero pronto. Então, pronto, não vou sugerir peru.

Logo que publiquei sobre esse assunto na semana passada (leia aqui o post Pela volta do peru sem tempero), muita gente começou a me mandar dicas sobre onde conseguir um peru sem tempero – um tio que cria, um parente de tem um amigo com um sítio afastado, uma granja em outro estado... Não me compreenda mal: agradeço o gesto, mas a minha preocupação não é individual, para a minha ceia. Tomara que muitas pessoas ainda tenham acesso à ave in natura. Peru assado com tangerina e sálvia é delicioso. E com o método do soro caseiro, fica melhor ainda, não resseca. Mas maior parte das pessoas faz compra em supermercados. E não vão encontrar um peru sem os seguintes “temperinhos”: proteína isolada de soja, dextrose, estabilizante tripolifosfato de sódio INS451i, antioxidante eritorbato de sódio INS316, realçador de sabor glutamato monossódico INS621, acidulante ácido cítrico INS330. Leia o rótulo!

Não sou contra nenhum tipo de comida: sou a favor do trigo, do leite, do ovo, da manteiga. Não tenho nada contra a comida industrializada: arroz e feijão são industrializados. O problema é a comida multiprocessada, a comida pronta, temperada na fábrica, não no fogão. Tempero pronto, seja em cubinho, seja injetado num peru, não é comida. E, contra isso, eu sempre estarei em campanha, só que contra.

Aqui no Panelinha, receita não é receitinha. Tem método e muito trabalho de uma equipe por trás de cada sugestão. Levamos em conta se os ingredientes são acessíveis, se as técnicas estão bem explicadas e não deixamos de pensar na apresentação do prato. É nessa hora que podemos dar um toque de glamour, uma renovada. A gente pesquisa, testa, experimenta, testa de novo, tudo para oferecer um conteúdo que inspire e facilite a vida na cozinha. É por isso que as nossas receitas funcionam.

Não é à toa que o meu livro, Panelinha, receitas que funcionam é a única publicação nacional indicada pelo Alimentar para a População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde.

Temos muita consciência da nossa responsabilidade: já ensinamos milhares de pessoas a cozinhar. O nosso público confia nas nossas receitas, por isso, não vamos indicar nenhum alimento que já venha com tempero pronto. Não é saudável, o sabor é horroroso, estraga o paladar das pessoas e, principalmente, tempero pronto é um símbolo da alienação culinária (para mim, essa é a pior parte). Esse produto é uma solução para um problema que não existe. Nenhuma receita precisa dele para ficar saborosa.

Quem cozinha come melhor
Cozinhar é como ler e escrever: todo mundo deveria saber. Não precisa ser chef. (Aliás, que preguiça do que virou o mundo goumert, não?) Mas é essencial saber um basiquinho, refogar um alho e uma cebola (para não usar tempero pronto), preparar uma refeição simples, que seja saudável e dê prazer.

Claro que tem gente que só come besteira e é magro. Mas essa é a exceção. Todas as sociedades que não levam cozinhar a sério, que vivem de comida pronta, alimentaram a obesidade da população a índices irreversíveis.

No Brasil, a falta de intimidade com a cozinha passa por questões históricas e econômicas. Ainda tem gente achando que cozinhar é ‘coisa de empregada doméstica’ e que prefere comer uma comida sem instrução a colocar a mão na massa. São os tristes resquícios do Brasil escravagistas.

Mais recentemente, de algumas décadas para cá, as mulheres precisaram abandonar as cozinhas para ganhar espaço no mercado de trabalho. Com isso, deixaram de cozinhar, de transmitir conhecimentos e habilidades culinárias para as gerações seguintes.

Até mesmo a nossa evolução econômica virou uma armadilha para a alimentação: menos gente passa fome, é verdade, mas migramos da desnutrição para o consumo desenfreado de produtos multiprocessados – comida pronta, biscoito recheado, até refrigerante é símbolo de status para quem sempre viveu à margem da fome.

Finalmente, a ceia brasileira
Agora vem o segundo motivo – eram dois motivos pelos quais esse ano não iria ensinar uma receita de peru. Acho que está na hora de deixar de lado a tradição americana (de servir peru) e pensar em algo mais brasileiro. As poucos vamos colocando pitadas de consciência à mesa. Buscar uma identidade nacional é também uma maneira de blindar a nossa alimentação contra a comida pronta, junk, o tempero pronto. Mas qual é mesmo a comida brasileira de reunir a família e os amigos?

Não daria para recomendar feijoada nem churrasco, dois clássicos festivos do país, como sugestão de ceia de Natal. Junto com a minha equipe, pesquisamos, debatemos, conversamos com os nossos seguidores nas redes sociais. Peixe é para quem está na praia, carne vermelha é para os gaúchos, mas carne de porco é para todos. (Menos para os vegetarianos, eu sei. Mas tudo tem solução.)

Decidi preparar um lombo recheado com banana, marinado em suco de abacaxi com pimentão, que dá aquele sabor agridoce, típico de Natal. Para ficar bem elegante, abri o lombo em manta (vou ensinar a técnica direitinho no programa): ele fica mais fino, perfeito para enrolar a banana-da-terra dentro. E, por fora, fiz uma camada de bacon – lombo resseca muito fácil! A marinada, em seguida, vai para a panela e vira um molho saborosíssimo. Para acompanhar, preparei também uma farofa de castanha-de-caju e banana-passa. Os vegetarianos não podem reclamar! Ela fica deliciosa, a gente não consegue parar de comer.

O passo a passo você assiste no episódio inédito de Natal do Cozinha Prática, na segunda-feira, dia 22, às 20h30 no canal GNT. Fiquei bem feliz com o resultado. O programa está lindo, o prato é festivo, pode ser feito sem grandes esforços, tem toques de novidade e de brasilidade, mas um sabor agridoce natalino, que é bem tradicional. Marque na agenda e avise os amigos!

Horários do Cozinha Prática com Rita Lobo no canal GNT: segunda (inédito) às 20h30 / quarta, às 6h, 10h30 e 18h30 / sexta, às 19h / sábado, às 8h30 e às 17h / domingo, às 5h30

Fotos: Editora Panelinha / Ricardo Toscani