Campos da infância

Campos da infância
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Por Rita Lobo - 08 de novembro de 2007


Todo mundo já passou pela experiência de voltar a um local da infância e ficar um pouco decepcionado: ou não era tão grande, ou não era tão belo, ou simplesmente não era do jeito que a gente lembrava. Durante anos, mês de julho era sinônimo de temporada na casa de campo dos meus avós. E nós adorávamos. Na adolescência, a simples menção ao lugar era suficiente para me dar coceira. Não ia nem amarrada. Anos mais tarde, meus pais herdaram a casa e não tiveram dúvida: colocaram à venda. Os filhos não queriam mais ir para lá. Mas não é da casa dos meus avós que vou falar.

Pertinho da Alcatéia (as casas da família Lobo costumam ter nome), ficava a chácara da família da tia Lucila. E era para lá que meus irmãos e eu gostávamos de escapar depois do almoço. Isto é, primeiro fazíamos uma paradinha para tomar o, então, melhor chocolate quente do mundo. Depois, seguíamos a cavalo para a, então, chácara mais linda de todo o universo. Tinha um gramado sem fim, lago coberto de vitória-régia, um bosque de eucalipto, quadra de tênis, bolo mármore na mesa e uma casa perfeita. Parecia cenário de filme. Na época, o termo politicamente correto não existia e a coleção de caça ficava à mostra nas paredes: onças, alces, acho que até banquinho de pata de elefante tinha.

Na semana passada, minha prima nos convidou para passar uns dias na chácara. Além de nós, foram também outras quatro famílias. Éramos dez adultos e sete crianças. Uma festa desde o café-da-manhã. Mas antes de chegar à casa, uma paradinha para o chocolate.

Ele continua com gosto de infância. E por isso é bom. Mas como é doce! O paladar também cresce. Do melhor chocolate do mundo só restou o apego à infância. Não era araucária o nome daquele todo enrugadinho? Agora é rama. Rama de chocolate ao leite, de chocolate branco e de chocolate meio amargo. Até este último é doce. Está mais para meio que para amargo. Encerrada a sessão chocolate, entramos no carro e fomos em direção à chácara. Será que eu ainda sei o caminho? Foram uns bons 20 anos desde a última vez que estive por lá. Será que a casa é uma casinha? Crianças vêem as coisas de uma maneira bem particular. Passo pela casa dos meus avós, que não é mais dos meus avós, mas não há como me referir a ela de outra maneira. Por sorte, os atuais proprietários fizeram um bom trabalho. Por fora, está mais bonita do que nunca.

Subimos a estradinha ladeada por hortênsias que nos levam até a chácara. Como a casa é grande! Olho para os meus filhos e me sinto do tamanho deles. Gabriel entra na sala e fica encantado com a onça. Quer saber como fizeram para deixá-la tão magrinha, assim chata na parede. “Eles tiraram a carninha dela, foi mãe?” Mas não fala com pesar. Ele ainda não conhece o termo politicamente incorreto. Ele observa a casa e me pergunta se é antiga. Respondo que é de 1941. Ele não entende muito bem o que isso quer dizer, mas repara que é forrada de madeira. “A madeira também deve ser bem antiga... Como é que se chama aquele bichinho que come madeira antiga?” Fico me perguntando por que um menino de 5 anos quer saber se a casa tem cupim. Dora está hipnotizada com a lareira. Mas, não deixa de perguntar para cada um que passa: “Você mora aqui?” Ela quer saber quem é a dona da casa.

Estamos em novembro, mas a temperatura fora é de inverno. E chove. Como chove. O lago é ainda mais bonito que o da memória. Crianças não se impressionam com a beleza natural. Ou, talvez, eu não notasse a natureza. Os meus filhos estão encantados com o local. Meu marido está impressionado com o enorme alce empalhado, que fica nos vigiando lá de cima do mezanino. E o alce deve estar impressionado como eu cresci.

Minha prima e eu vamos juntas para a cozinha preparar o jantar. Para as crianças, a caseira vai fazer macarrão. E os adultos vão comer risoto. (Nós duas fizemos o menu do fim-de-semana com antecedência.) O risoto é simples, de queijo com raspas de limão. Já no prato, ganha fatias de presunto cru e figo salteado na manteiga. Mas na hora, resolvemos refogar a cebola no bacon, acrescentamos alho-poró fatiado fininho e, além das raspas, colocamos um pouco do suco de um limão. Então ficou assim: 70 g de bacon, 2 cebolas picadinhas, um talo de alho-poró fatiado, 1 k de arroz arbóreo, meia garrafa de vinho branco e caldo de legumes, que a gente vai colocando até dar o ponto. Um pouquinho antes de sair da panela, o risoto ganha raspas de 4 limões, suco de apenas 1, o maior deles, e uma quantidade vergonhosa de queijo parmesão ralado. Não me pergunte quanto. Antes disso, lavamos e secamos 10 figos, que foram salteados em metades numa frigideira com um tico de manteiga. Espalhamos dez pratos pela bancada da cozinha: uma segurava o panelão de risoto e a outra servia com uma concha. Rapidamente arranjamos as fatias de presunto cru no risoto e sobre elas colocamos as metades de figo, que perfumavam da cozinha até a sala de jantar.

Fizemos também duas saladas: uma de endívias com vinagrete de mostarda, e a outra de shitake grelhado com mussarela de búfala e alface romana. Para esta segunda, fizemos uma vinagrete com redução de balsâmico. E no lugar de sobremesa, uma degustação de chocolates, mas não aqueles da infância: os incríveis chocolates preparados pela minha prima Luciana.

No dia seguinte, caminhada até a cidade. Apenas as primas. Luciana, Camila e eu. No caminho, por coincidência, encontramos com os atuais proprietários da casa dos meus avós. Eles dizem que será uma desfeita não irmos visitá-los. Eu fico animadíssima. Quero ver com os olhos de hoje como enxergo a casa da infância. Mas não foi dessa vez. Fica para a próxima. E não foi desfeita não!

Na segunda-feira seguinte, meus pais foram almoçar em casa. Conto com gosto sobre o fim-de-semana. Como a viagem é curta! Menos de duas horas. Pergunto ao meu pai por que ele vendeu a casa. Ele dá risada e responde: “Você foi a primeira a dizer que deveríamos vendê-la.” Mas acontece que eu não tinha dois filhos naquela época, pai! E todo mundo já passou pela experiência de querer levar os filhos para os mesmos lugares da própria infância. Quem sabe, qualquer hora, os donos da casa da minha avó não alugam a Alcatéia para nós? Decepção mesmo é descobrir que os campos da infância são muito melhores do que a gente lembrava.