Alívio

Alívio
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Por Rita Lobo - 14 de março de 2008


Acho que o inferno astral do Panelinha está me afetando. Meu carro quebrou, e não saiu mais da oficina, os livros que peguei para ler não podiam ser mais chatos, a vizinha de cima resolveu demolir o apartamento dela e o diacho do restaurante 24 horas, ao lado da minha casa, trabalha mesmo 24 horas. A comida de lá é ruim, mas os bêbados que freqüentam o local às três da manhã parecem não se incomodar com isso. E agora eles deram para falar gritando, pavoneiam na porta e saem cantando pneu. E não há quem consiga dormir em paz no quarteirão.

O inferno astral, que começou em 23 de fevereiro, só vai terminar daqui a nove dias. Mas a minha sorte já começou a mudar. (Não, o nosso prefeito Kassab não lacrou o local e a minha vizinha não desistiu da obra.) O barulho do dia e a algazarra da noite continuam, mas comecei a ler um livro bom, tão bom, que encobre os ruídos externos.

Trata-se de Para alívio dos impulsos insuportáveis, mas que também ajuda no alívio dos barulhos irritantes. Só o que consigo ouvir é a voz das personagens. E do narrador, Nathan Englander, que como outros escritores judeus, também explora o universo judaico em seus contos. São nove. Nove contos. É para ler de uma vez só. E li. E já vou reler, mas apenas um por dia. Serão nove dias de silêncio até o fim do inferno astral.

Resolvi dar uma espiada na internet para ver o que se fala por aí do livro e do autor. Só elogios. Com este livro de estréia, publicado em 1999 nos EUA, e no ano passado aqui no Brasil, Nathan Englander, que já teve contos publicados na revista New Yorker, ganhou prêmios como o PEN/Faulkner Malamud e o Sue Kaufman, oferecido pela American Academy of Arts and Letters.

Mas uma crítica negativa me chamou a atenção: “O problema é que este gênero de literatura judaica não faz nenhum sentido nos dias de hoje, já que o típico judeu da Europa Oriental do início do século passado não existe mais (...) fica tudo com um gosto de pastiche, ops, de pastrami, de passado requentado, entendem?”

Não entendi. E todo o frescor que o autor consegue imprimir mesmo em textos que poderiam ter um sabor requentado? É tudo tão surpreendente, como no conto que empresta o título ao livro, em que Dov Binyamin, disposto a salvar seu casamento, mesmo sendo rejeitado pela mulher, que recusa-se a dividir a cama com ele, vai buscar aconselhamento com o rabino, que lhe recomenda, para alívio dos impulsos insuportáveis, procurar imediatamente uma prostituta.

Em Rabi Noel, um conto comovente, o velho rabino de barbas brancas, para pagar as contas, acaba trabalhando como papai Noel em uma loja de departamentos. Que pastrami requentado que nada! Estou apaixonada. Nathan é meu herói. E o carinha da concessionária acabou de ligar para dizer que meu carro ficou pronto.