A volta do creme de leite

A volta do creme de leite
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Por Rita Lobo - 02 de setembro de 2009


Tive uma longa discussão com um amigo jornalista de moda. Ele estava em êxtase com as tendências do verão 2010. “Jeans délavé vai ser tudo!”, exclamava ele com brilho, ou melhor, glitter no olhar. Ai, não, socorro, só falta ser baggy! Uma calça baggy délavé vai ser duro de engolir, quer dizer, de vestir, pensei eu. Ele não vê a hora de comprar uma calça ou jaquetinha nova.

Pode reparar: tudo que é muito cafona numa estação, duas ou três depois vira hit. Eu fico até meio tonta com o vaivém tão frenético. Às vezes, demora um pouco, mas sempre volta. De um jeito diferente, mas volta. Senão, ninguém precisava comprar mais nada: era só pegar do armário da mãe, da avó, ou do próprio, dependendo da idade.

Aqui da minha cozinha, fiquei pensando que não vejo a hora de o creme de leite voltar à moda. Que coisa mais brega ele ter sido banido dos nossos pratos com tanta veemência. Óbvio que ele não pode ser usado como era na culinária francesa na década de 1970. Precisa ser aplicado de outro jeito. Less is more. Em quantidade e freqüência. Na minha alimentação, por exemplo, ele nunca deixou de existir porque nunca foi excessivo. Salvo no clube, quando eu era criança.

Às vezes, no fim de semana, a família toda almoçava por lá. Depois, meus pais pediam o café, a conta e meus irmãos e eu ficávamos torcendo para o garçom trazer também o chantilly. Naquele tempo, no clube, o café não era servido com biscoitinhos, mas chantilly nunca faltava. O café chegava e, segundos depois, nós pedíamos bis: “Queremos mais chantilly!” Daí, minha mãe dizia: “Não é chantili que se fala, dois éles em francês não se pronuncia, é chantií.” Alguém sempre rebatia que no Brasil era chantili e, no fim, eu e meus irmãos pedíamos mais um pouco de chantilin. “Chantilin?”, ela fazia cara de desgosto, mas deixava escapar um sorrisinho no canto da boca. Mas a pronúncia era a única discussão; se podíamos ou não comer mais creme, não era uma questão.

Óbvio que o jeito de comer, e de cozinhar, mudou. E precisa mudar, evoluir, se aprimorar, andar de mãos dadas com tudo de novo que a nutrição apresenta e ainda ganhar uma pitada de técnicas novas que os chefs descobrem, inventam. Mas, tirar o chantilly do morango das crianças, não dá. Muito menos o dos adultos.

É verdade também que, fora o morango com chantilly das crianças, uso pouquíssimo creme de leite. E sempre que uso, é fresco. Acho que nem tenho na despensa creme de leite em lata ou caixinha. E nunca, nunquinha na minha vida comprei creme de chantilly pronto. Aquele da latinha, então, nem pensar. Prefiro comer espuma de barbear, mesmo. E essas invenções que a gente vê pela internet, como chantilly feito com claras em neve e uma lata de creme de leite? Isso sim deveria ser banido. Vi uma outra receita que pedia para colocar dez colheres de açúcar em meio litro de creme de leite. Eca!

Eu prefiro bater o creme com um fouet, na tigela de vidro que já vai para a mesa, mas ele pode ser feito na batedeira. Não faz diferença, mas chantilly necessariamente é feito com creme de leite fresco e um pouco de açúcar; no máximo duas colheres para meio litro. E ele precisa estar bem gelado. E não pode ser excessivamente batido porque talha. Em casa, ele chega à mesa e logo acaba. (Quase que não deu tempo de fazer a foto.)

Outra preparação que também anda muito fora de moda, mas que estou morrendo de vontade de fazer, é a batata gratinada. Finas rodelas de batatas espalhadas no refratário, um banho de creme de leite fresco, sal, pimenta-do-reino, noz-moscada e horas no forno até ficar tudo bem douradinho. Até comprei um mandolim novo para fazer as fatias bem fininhas. Não precisa de queijo, molho branco, nada disso. Batata, creme de leite fresco, sal, pimenta e noz-moscada. (Repeti os ingredientes para ficar bem claro que não precisa de queijo.) Acho que lá em casa vai ser tendência. E se a condição para fazer batata gratinada no verão 2010 for usar jeans délavé, até topo mandar fazer um avental novo. Caso contrário, vou deixar para usar o jeans no próximo retorno da tendência. Enquanto isso, vou torcendo para descobrirem no creme de leite fresco uma enzima responsável pelo retardamento do envelhecimento de adultos. Daí ele volta à moda e não sai nunca mais.