A cozinha de casa é um ambiente de resistência
Por Rita Lobo - 11 de agosto de 2023
"Cozinhar é fundamental e ajuda a prevenir transtornos alimentares", essa frase foi dita pelo médico psiquiatra Táki Cordás, que é o coordenador do ambulatório de transtornos alimentares do instituto de psiquiatria da faculdade de medicina da USP. Procurei o dr. Cordás pra conversar mais, entender melhor essa frase e, principalmente, saber o que são os transtornos alimentares. A definição que ele dá é tão interessante que resolvi dividir com você. Ele explica assim:
"Quando a pessoa perde a liberdade de escolher o que vai comer e o que não vai comer. Quando olha fixamente pro corpo, de maneira obsessiva. Quando a alimentação deixa de ser uma ponte entre as pessoas e também deixa de ser motivo de alegria. Muito provavelmente estamos diante de um transtorno alimentar."
Assim que ouvi essa explicação fiquei pensando como o ambiente alimentar em que a gente vive hoje parece ter sido projetado para empurrar as pessoas pros transtornos alimentares.
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Comer a mais
De um lado, os ultraprocessados são formulados pra serem consumidos de maneira compulsiva. Eles têm sal, açúcar e gordura em quantidades altíssimas, calculadas pra viciar, ou seja, para tirar a liberdade de quem tá comendo.
Além disso, são desenvolvidos pra serem consumidos fora da mesa, na frente da tv, no carro... Até mesmo a textura, que não exige o esforço de mastigar, é desenhada pra fazer você comer mais sem nem perceber.
Ou seja, além de serem produtos desbalanceados nutricionalmente, eles pioram a relação com a comida. Afastam você da mesa, diminuem a ponte entre as pessoas. Você come de maneira robótica, sem prestar atenção, olhando pra tela do celular.
O ambiente alimentar em que vivemos dificulta a prevenção e o combate aos transtornos alimentares
Sem liberdade
Do outro lado, os modismos nutricionais, apoiados nas pressões estéticas, miram na obsessão com o corpo e atacam em cheio a liberdade de escolher o que comer.
A definição de transtornos alimentares deixa muito claro o quanto esses modismos que se disfarçam de "modo de vida saudável" são praticamente uma isca pra destruir a relação com a comida e empurrar as pessoas para esse comportamento que pode virar um transtorno alimentar.
Cozinhar protege
Nesse ambiente alimentar, a cozinha de casa se torna uma fortaleza de resistência. É ali que você consegue se reconectar com a comida de verdade, fazer as pazes com o alimento.
Quem cozinha exerce a liberdade de escolher o que vai comer
No cenário atual, dominado pelos ultraprocessados, o único jeito economicamente viável pra população comer comida de verdade é preparando as próprias refeições. E isso traz inúmeras vantagens. A relação com o alimento muda: você escolhe os alimentos de que gosta; prepara uma receita que quer comer comer; senta à mesa pra comer essa refeição que escolheu e preparou. Você está exercendo sua liberdade de escolher o que vai comer. O momento da refeição vira um motivo de alegria. E se você tiver companhia, está alimentando as relações, criando pontes.
É por isso que cozinhar ajuda a prevenir transtornos alimentares
O assunto é especialmente importante pra quem tem adolescentes ou jovens em casa. A referência de uma relação prazerosa com a comida ajuda a proteger esse grupo, que é muito exposta ao risco de desenvolver transtornos alimentares.
Luta contra o estigma
Além de fazer o que você pode dentro de casa, tem outra coisa importante quando a gente fala de transtornos alimentares. É preciso combater o estigma, a ideia de que esses transtornos são falta de vontade, culpa da pessoa que está doente. A gente precisa olhar pra si e pros outros com acolhimento e ajudar quem está passando por isso a buscar ajuda. Os transtornos alimentares têm tratamento, e esses tratamentos podem salvar vidas. Muita gente deixa de procurar ajuda por causa do preconceito. Pense nisso!
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