23 de Abril

23 de Abril
Compartilhe

Por Rita Lobo - 23 de abril de 2008


Quando eu era pequena, ficava fascinada com o ritual noturno de beleza da minha mãe. Um creme para limpar a pele, careta para retirar a maquiagem da parte de baixo dos olhos, água para enxaguar. Algodãozinho com tônico, creme no rosto e pescoço, movimentos circulares. Um pinguinho de creme na ponta do dedo anular para passar ao redor dos olhos. Delicadamente.

Às vezes, me olho no espelho e vejo a minha mãe. A mesma careta, o mesmo jeito de espalhar os cremes. O mesmo ritual antes de dormir. Queria ter o nariz igual ao dela, uma pintura de Modigliani. Acho que, com o passar dos tempos, está ficando mais parecido.

Muitas vezes faço de tudo para não ficar parecida com ela, como se a adolescência nunca terminasse. Mas há coisas que, se eu pudesse, faria igualzinho a ela. Olho para a minha filha e sinto um amor tão forte que chega a doer. Um aperto no peito. Tento imaginar se um dia passa. Muda. Diminui. Fico pensando se a minha mãe sente o mesmo por mim.

Ela pensa que eu não tenho medo de nada. Ela não sabe que eu prefiro nem pensar em como a vida é frágil. Nem pensar. Só de pensar morro de medo. Como todas as mães.

Não era nada disso que eu iria escrever, era para contar que, logo mais, vamos começar a falar de Dia das Mães. A Iná, do blog Aprendiz de cozinheiro, escreveu um texto lindo, lindo sobre sabores de infância. Mas ainda não entrou no ar. A Andrea Kaufmann, para finalizar a série de Pessach, acabou falando sobre ser mãe judia. Eu ainda não comecei a escrever nada, mas já testamos novas receitas para a data.

Estou pensando o dia todo na minha mãe. É o aniversário dela. E, sei lá por que, falo para todo mundo que encontro. Até para quem não a conhece.

Saí com a Dora, minha filha, para comprar o presente da vovó Beth. Dois passos e encontramos com a Dahoui, chef do restaurante À Cote. Ela está com viagem marcada para Israel. Nunca foi. Está animadíssima. Mas Noáh, a filhota, vai ficar. E hoje é aniversário dela, da pequena. “Da minha mãe também!”

Mais dois passos e lá vem o elegantérrimo Salvatore Loi, empurrando o carrinho da filha, que já tem três dentes! Ele é chef do Grupo Fasano. Conta sobre as novidades, os novos empreendimentos. Digo que é aniversário da minha mãe. Ele fala sobre a avó que tinha 1,30 metro de altura.

É fim de tarde e os chefs estão passeando pelos Jardins. Pais e mães com seus filhos, que ainda têm a vida toda para descobrir os sabores da vida. Quem sabe, no futuro, eles enxerguem neles um pouco de nós e sintam o delicado conforto de saber de onde eles vêm. Quem sabe...