Panelas e sabores indianos

Panelas e sabores indianos
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Por Rita Lobo - 30 de janeiro de 2011


“Há dez mil anos atrás”, parece até que foi em outra encarnação, o Chico Buarque nos levou para jantar num restaurante indiano em Paris. O “nos” refere-se ao meu ex-marido, que é amigo dele, a mim e às crianças (esclareço que “crianças” trata-se de uma piadinha, pois eram os meus enteados, homens feitos, que estavam ali a trabalho – aliás, mudando de assunto, mas dentro do parêntesis, ouvi dizer que não existe ex-sogra, logo, também não existe ex-enteado, certo?). Eles estavam gravando uma série de DVDs, e eu, de bonita. Aliás, linda na foto. Explico: o Chico, por amizade ao meu ex, fez um tour gastronômico comigo; naquela semana, me levou à meia dúzia de seus restaurantes favoritos; e o meu enteado fotografou tudo. Era para eu escrever sobre o assunto. Nada mau, né? Mas eu acabei não fazendo a matéria. Sei lá.

Passados dez mil anos, em setembro, meu namorado e eu fomos para Paris. Além das atividades executivas do trabalho dele, toda Páscoa ele avalia, degustando, cerca de uma centena de ovos de chocolate; os melhores são publicados num especial no caderno Paladar, do Estadão. Ele sabe tudo sobre chocolate e, na viagem, acabou me guiando num lindo e saboroso tour pelas melhores chocolaterias da cidade.

Eu precisava retribuir dividindo os meus conhecimentos gastronômicos locais. Estávamos caminhando numa ruazinha, como são as ruazinhas das histórias que se passam em Paris, e, de repente, me deu um estalo: “Ah, logo ali tem um restaurante ótimo que o Chico me levou para jantar – quer ir?”. Ele nunca recusa uma refeição. Lá fomos nós.

Note: eu amo comida indiana e, por não haver muitos restaurantes típicos por aqui, sempre que estou em Paris ou Londres – cidades cheias de ótimas opções –, tento, pelo menos uma vez, comer um bom curry. Mas não é o caso do meu namorado, como pude constatar, já durante o jantar. Achei que a gente nunca comia em indianos porque São Paulo não nos dá a oportunidade, não é? Mas não era esse o motivo, pelo menos, não o dele. Depois, como se aquela tromba de elefante indiano não quisesse dizer nada, ele explicou que topou por mim, por saber do meu entusiasmo com sabores da Índia, mas que não suporta nem o cheiro de curry – e achou o restaurante um horror. É verdade que, sem o Chico, o atendimento foi outro. Com um habituée da casa à mesa, o serviço chegava a ser educado. Sem, porém, era no estilo estamos-fazendo-um-favor-para-esses-idiotas.

Na semana passada, a última das férias escolares – dos meus filhos e das filhas dele – fomos todos para a praia, na casa do meu amigo Arthur. (Mais parêntesis: escrevi uma dedicatória para o Arthur no livro novo, contando que o Panelinha tinha completado 10 anos... Aí me dei conta de que a nossa amizade já dura duas décadas! Não é um horror ter um amigo há vinte anos? Até pouco tempo, quando eu conhecia alguém há muito tempo era há três ou quatro anos...) Bom, a Ligia do Arthur e ele tinham acabado de voltar da Índia. Vinte dias passeando pelo pais. Eles trouxeram temperos, panelas, livros e levaram tudo para a casa da praia. Decidi preparar um almoço indiano, mesmo sabendo que, para o meu amor, seria um desgosto.

Folheei o livro e fiquei encantada com um queijo cottage prensado. Será que dá certo? Dá, e é moleza. O tal queijo podia ser servido com um molho de tomate perfumado com gengibre; para completar, ervilhas frescas, que tínhamos no congelador, e coentro, que não tínhamos mais. Praia tem dessas coisas. A Lígia quis fazer pão, eu fiz lentilhas, preparamos arroz branco, que não era basmati, e num estante o almoço estava pronto.

Óbvio que eu adaptei as receitas. Por exemplo: o livro sugere que a lentilha seja cozida na pressão, mas eu não gosto; o pão era feito apenas com farinha integral, mas colocamos meio a meio; excluí algumas das especiarias do molho de tomate e acrescentei a canela em pau. Enfim, como eu gosto de comida indiana, fica fácil dizer que o almoço ficou divino. Mas até o namorado gostou! Repetiu todos os pratos e ainda quis saber mais detalhes do preparo do queijo. Então, conto aqui essa receita e deixo as outras para outro post. Mas não conto qual era o restaurante indiano! Se bem que fazer o almoço ouvindo Chico Buarque é sempre uma ótima ideia.

Queijo cottage prensado com ervilhas e molho perfumado de tomate
Serve 4 pessoas

A receita adaptada do livro Pure & Simple – home made vegetarian cuisine, de Vidhu Mittal, (Roli Books).

Para o queijo

Ingredientes

1,5 l de leite
2 colheres (sopa) de suco de limão

Modo de preparo

1. Coloque o leite numa panela e leve ao fogo alto. Quando ferver, desligue e misture o suco de limão. O leite deverá talhar em cerca de 3 minutos.

2. Enquanto isso, forre uma peneira com um pano de prato bem fino (e limpo, né?). Quando o leite estiver talhado, ou seja, cheio de bolinhas, escorra. Levante o pano para formar uma trouxinha e torça delicadamente, para escorrer um pouco do líquido. Coloque a trouxinha sobre um prato grande, abra o pano e feche formando um quadrado com cerca de 15 cm de cada lado (o queijo vai ficar como se fosse uma fatia bem grossa). Dobre as pontas do pano por cima do quadrado e coloque um prato bem pesado por cima para prensar.

3. Após 20 minutos, retire o queijo do pano e corte em quadrados de cerca de 1,5 cm ou maiores. Reserve.

Para o molho

Ingredientes

3 tomates grandes e maduros
2 colheres (sopa) de óleo
1 cebola grande picada
1 dente de alho picado
1 colher (chá) de gengibre ralado
1 colher (chá) de pimenta vermelha em pó
1 pitadinha de açúcar
sal a gosto
2 folhas de louro
2 paus de canela
300 g de ervilhas congeladas (1 pacote)
2 colheres (sopa) de iogurte

Modo de preparo

1. Corte o tomate em 4 partes e bata tudo no liquidificador. Separe e prepare todos os ingredientes como pedidos na receita.

2. Numa frigideira grande, ou panela média, aqueça o óleo em fogo médio e misture a cebola, até que começar a dourar. Junte o alho e o gengibre e misture por 2 minutos. Acrescente a pimenta vermelha em pó, uma pitada de açúcar e tempere com sal. Misture bem.

3. Junte o tomate batido ao refogado da panela, misture bem e acrescente as folhas de louro, os paus de canela e deixe ferver por 5 minutos.

4. Coloque na panela as ervilhas e deixe cozinhar até que estejam bem quentes. Misture o iogurte vigorosamente. Coloque os cubos de queijo e misture delicadamente. Deixe cozinhar por mais 5 minutos, em fogo baixo, e sirva a seguir com arroz branco.